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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A F1 descobriu quem é Piquet

Nelson Piquet, tricampeão da Fórmula 1 - Reprodução
Nelson Piquet, tricampeão da Fórmula 1 Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/06/2022 07h26

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A F1 descobriu quem é Nelson Piquet.

Viu e ouviu o tricampeão usar por três vezes a expressão "neguinho" para se referir a Hamilton numa entrevista gravada no ano passado e que, por desses mistérios da internet, veio à tona agora.

A F1 percebeu o que já sabemos há algum tempo. Que Piquet, piloto excepcional, vencedor de 23 GPs e autor de momentos geniais nas pistas, carece de alguns valores básicos de convivência na sociedade atual.

A F1 se chocou. A reação veio forte nesta quarta-feira. FIA, Liberty Media e Mercedes divulgaram notas condenando o linguajar do tricampeão. Hamilton disse que "é hora de agir".

"Discriminação ou linguagem racista é inaceitável em qualquer forma e não tem lugar na sociedade. Lewis é um embaixador incrível para nosso esporte e merece respeito. Seus esforços incansáveis para aumentar a diversidade e a inclusão são ensinamentos para muitos e princípios com os quais a F1 está comprometida", escreveu a Fórmula 1, marca que hoje pertence a um grupo americano de entretenimento, Liberty Media.

A entidade que regula o esporte postou a seguinte mensagem nas redes: "A FIA condena fortemente qualquer expressão racista ou discriminatória, que não tem lugar no esporte ou na sociedade. Prestamos nossa solidariedade a Lewis Hamilton e nosso apoio ao seu compromisso pela igualdade, diversidade e inclusão no esporte a motor".

A nota da Mercedes também destaca a luta do inglês no combate ao racismo: "Condenamos com todas as forças qualquer tipo de discriminação ou uso de linguagem racista. Lewis tem liderado iniciativas no nosso esporte para combater o racismo. É um verdadeiro campeão, dentro e fora das pistas. Juntos, compartilhamos uma visão de diversidade e inclusão. Este incidente reforça a importância fundamental de continuar nesta batalha".

Horas depois, Hamilton se manifestou. E sua primeira frase foi no ponto. "É mais do que linguagem. É uma mentalidade arcaica que precisa mudar e que não tem lugar no nosso esporte. Estive cercado e fui alvo dessas atitudes por toda a vida. Já houve muito tempo para aprender. Chegou a hora de agir."

O tapa com luva de pelica veio com uma mensagem em claro e bom português, reproduzida abaixo.

Deve vir mais. É semana de GP da Inglaterra, uma das mais badaladas da temporada. Jornalistas de vários países já se pronunciaram nas redes criticando Piquet. Assim que chegarem ao paddock, dirigentes e pilotos serão questionados sobre as declarações. Ex-colegas do brasileiro serão abordados. E será inevitável tocar no assunto com Verstappen, genro do tricampeão.

Este Piquet que a F1 descobriu agora não é novidade para quem o acompanha mais de perto ou eventualmente esbarra em suas declarações infelizes por aqui. Escrevi num post em setembro do ano passado: "Na F-1 dos anos 80 e 90 achávamos graça das malcriações de Piquet contra a imprensa, das ilações homofóbicas e preconceituosas contra outros pilotos, das críticas ácidas e sem freio contra quem ele não gostava. As vítimas eram os outros afinal. Ríamos. Mas os tempos mudaram".

Mudaram. Expressões que circulavam nos anos 80, quando Piquet se via no topo do mundo, hoje não cabem mais. A sociedade evoluiu, abrimos os olhos, tentamos construir um futuro melhor, mais justo, mais igualitário.

"Neguinho" é sobre cor de pele e sobre diminuir o outro. É irônico que o autor das frases tenha três títulos mundiais enquanto o alvo tenha sete. Possivelmente há algum ressentimento envolvido...

Também no ano passado, Piquet disse que está "cagando para o que pensam de mim" numa entrevista à TV Brasil. Pode ser. É típico de quem é prepotente há décadas. Mas, agora que se tornou um pária no esporte que tanto sonhou conquistar, talvez ele reflita um pouco.