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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Longe do Instagram, um pouco da vida real dos pilotos da F1

Valtteri Bottas, piloto da Alfa Romeo, que revelou quase ter abandonado o esporte no fim de 2018 - Alfa Romeo
Valtteri Bottas, piloto da Alfa Romeo, que revelou quase ter abandonado o esporte no fim de 2018 Imagem: Alfa Romeo

Colunista do UOL

23/06/2022 09h36

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Existe a vida dos pilotos no Instagram. Ali, eles estão sempre sorrindo, praticando esportes, posando em lugares turísticos, mostrando marcas de patrocinadores, revelando bastidores das pistas, exibindo viagens com as namoradas e brincadeiras com amigos. Não foge muito disso.

E existe a vida real. Que carrega um pouco de tudo isso, mas também uma carga enorme que não aparece nas redes sociais. Nos últimos dias, dois episódios isolados revelaram mais do que qualquer post, de forma nua e crua, a enorme pressão que é estar na F1.

O primeiro veio na semana passada. Ao podcast da revista "Motorsport", da Inglaterra, Bottas revelou que quase abandonou o esporte no fim de 2018.

"Quase parei de correr. Fiquei muito próximo disso. Eu não entendia como não conseguia vencer o Lewis naqueles dois anos. Coloquei muita pressão sobre meus ombros", disse o finlandês, que chegou à Mercedes em 2017 após quatro boas temporadas na Williams. "No fim de 2018 principalmente, quando passei a realmente a ter uma posição de escudeiro, eu não conseguia aguentar. Eu sofri de verdade. Não foi nada divertido."

Com uma franqueza rara de ver _e ouvir_ num esporte de egos tão inflados, ele continuou. "Eu estava acabado. A mente humana é estranha. Algumas vezes você se vê em lugares escuro e perde o prazer pelas coisas. Eu perdi o prazer de correr na F1. Eu estava quase bravo com a F1, o que é esquisito. Eu só precisava de um tempo".

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Bottas com Hamilton após vitória do inglês no GP da Rússia de 2018, corrida que teve pole do finlandês
Imagem: Maxim Shemetov/Reuters

Bottas resolveu desaparecer. Naquelas férias, fez caminhadas em florestas da América do Sul e da Finlândia. E foi num dia assim, num momento de solidão, olhando para o nada, que resolveu continuar. "Voltei a sentir aquela adrenalina. Disse a mim mesmo 'vamos fazer isso'".

O segundo episódio da F1 como ela é veio no domingo, na 19ª volta do GP do Canadá.

Schumacher era o sétimo colocado após largar em sexto, seu melhor grid na F1. Ainda havia muita corrida pela frente, mas o sonho dos primeiros pontos estava mais vivo do que nunca. Seria o resultado de que ele tanto precisa para afastar as críticas após um início de campeonato acidentado, para ganhar algum sossego no paddock, para seguir seu trabalho.

Mas o motor quebrou. As esperanças foram pelos ares. E a comunicação que se seguiu com seu engenheiro, Gary Gannon, é de uma tristeza cortante.

"Pare o carro, pare o carro! Precisamos que você para o carro agora! Cuidado com o Ricciardo", diz Gannon. O alemão obedece, encosta o Haas. "Merda! (suspiro) Isso enche o saco, não?", responde o piloto. "Sim. Você estava bem, Mick... Grande trabalho."

Ainda parado no cockpit, na solidão da área de escape da curva 8, Schumacher esquece o rádio ligado. Por alguns segundo, ouve-se o que parece ser um choro.

"Seu rádio está aberto", diz o engenheiro. "Acho que vão te buscar com uma scooter." O alemão se recompõe: "É... (suspiro) Bom, obrigado por este fim de semana." Gannon tenta levantar a moral do garoto: "Você está indo bem, Mick. A hora vai chegar".

Bottas tem 32 anos, está na F1 desde 2013, soma 10 vitórias, 20 poles, foi duas vezes vice-campeão. Schumacher chegou no ano passado. Tem 24 e ainda persegue seus primeiros pontos na categoria para provar que merece estar ali, que é mais do que um sobrenome. São pilotos em estágios diferentes das carreiras. Em comum, além do ofício, a pressão.

Não adianta procurar por nada assim no Instagram. Mas existe. O peso de ocupar uma das 20 vagas mais cobiçadas do automobilismo é massacrante. E faz tão parte da F1 como as fotos em lugares paradisíacos expondo uma alegria que, no fundo, talvez não esteja lá.