Precisamos falar sobre George

A F1 de 2022 tem carros que quicam, pilotos que reclamam, calendário puxado, diretores de prova que batem cabeça, uma Ferrari errática, uma Red Bull confiante, uma Mercedes perdida, um dirigente retrógrado, polêmica por joias... Mas precisamos falar sobre Russell.

Em seu primeiro Mundial na Mercedes, o inglês de 24 anos vem fazendo grandes coisas. Não sentiu o baque de chegar a um time de ponta. Mostrou maturidade rara. Compreendeu o novo carro antes que muita gente. E, no Canadá, pode atingir uma marca impressionante: tornar-se o primeiro companheiro de equipe a superar Hamilton por oito corridas consecutivas.

Na abertura do campeonato, no Bahrein, o heptacampeão foi melhor: terminou em terceiro, seu único pódio no ano, uma posição à frente do novo colega. Da corrida seguinte pra cá, no entanto, só deu Russell, com direito a pódios na Austrália, na Espanha e no Azerbaijão.

Na F1 desde 2007, quando Russell tinha 9 anos, Hamilton só tinha amargado série tão ruim frente ao companheiro uma vez. Foram sete etapas atrás de Rosberg entre os GPs do México de 2015 e da Rússia de 2016. Com um atenuante: havia sacramentado o tri uma corrida antes, nos EUA, e disputou as três últimas provas daquela temporada sem muito apetite.

Oito provas atrás, nunca. E olha que, além de Rosberg, Hamilton dividiu boxes com outros dois campeões: Alonso, em 2007, e Button, entre 2010 e 2012.

Agora também há um atenuante. Mais experiente da dupla, Hamilton se voluntariou algumas vezes para fazer experiências e ajudar os engenheiros na busca por soluções para o "porpoising", as batidas no asfalto. Em Jeddah, que abriu a série negativa, por exemplo, optou por um caminho completamente diferente no acerto do carro. Foi eliminado no Q1 pela primeira vez desde 2017, largou em 15º, chegou em 10º. Russell terminou o GP em quinto.

Mesmo assim, o heptacampeão reconhece que o novo parceiro pegou a mão do W13 antes que ele. "Estou muito atrás. Meu companheiro foi quarto, então ainda tenho dificuldades com o carro. Vou continuar tentando", disse Hamilton após ficar em sexto no grid de Barcelona.

Não é só velocidade. É também consistência. Russell é o único piloto da F1 a pontuar em todos os GPs da temporada até agora. E o mais impressionante: apesar de ter um carro complicadíssimo nas mãos, terminou toda as oito corridas entre os cinco primeiros colocados.

As façanhas mudaram sua imagem no paddock. Em 2021, ganhou a alcunha de "Mister Saturday", por conseguir bons resultados na classificação, mas não corresponder no domingo. Tinha um quê de crítica. Agora é o "Mister Consistency", o senhor da consistência.

A marca que Russell pode conseguir no Canadá não afeta o clima nos boxes da Mercedes. Por ora, o ambiente é de união total contra as dificuldades do carro. Mas será emblemático se a série for estendida justamente em Montréal, onde Hamilton é rei.

O heptacampeão é o maior vencedor do circuito Gilles Villeneuve, ao lado de Schumacher: sete vitórias. Foi lá que conquistou sua primeira pole e sua primeira vitória, há 15 anos, e que igualou as 65 poles de Senna, ganhando de presente um capacete do brasileiro.

Como naquela homenagem, cinco anos atrás, há um ar de passagem de bastão, de sucessão, de continuidade. Russell, a cada GP que passa, mais parece ser o homem certo no lugar certo.