Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Para manter crescimento, F1 precisa se livrar da FIA
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Acontece o tempo todo. Dois conhecidos fazem uma sociedade e decidem tocar um negócio. Digamos que seja um bar. Um deles assume o lado promocional da empresa e faz tudo direitinho: a fachada é atrativa, o balcão fica lindo, as redes sociais bombam, especialistas publicam notinhas, as pessoas começam a prestar atenção. O outro sócio cuida do chamado "core business": o cardápio, as compras, os contratos com fornecedores e garçons.
Daí o bar abre. As pessoas começam a ir. Encantam-se ao ver aquele ambiente, "igualzinho ao Insta". E passam a fazer seus pedidos. "A coxinha acabou". "Desculpe, mas não sei como é este prato". "Perdão, senhora, mas não temos mais gin". "É que o cozinheiro não veio hoje". E o chope está quente. E o sócio-gerente não sabe responder se a maquininha aceita crédito.
Qual é a sua reação? Você volta lá? E o sócio que fez tudo certo? Como fica?
Questionamentos assim certamente circulam pela Liberty Media, a sócia que faz tudo certo. Não é preciso estar lá dentro para imaginar a insatisfação crescente com a FIA, aquela que faz tudo errado, que se atrapalha a cada momento decisivo, que não tem respostas para nada.
Passou despercebido, mas a lambança com a Ferrari neste início de semana parece esquete de programa de pegadinhas. Dentro do prazo estipulado pelo regulamento (72 horas), a equipe avisou a FIA que andaria em Fiorano com o modelo de 2021. Na segunda, avisou a imprensa.
O artigo 8.2 do Regulamento Esportivo de 2022 permite isso. Pode checar aqui, está na página 49. Mas na F1 a regra não é clara, como já me disse o Arnaldo. Este ponto do regulamento ainda precisa ser aprovado pela Comissão de F1 da FIA e pelo Conselho Mundial, em fevereiro.
A dúvida bateu. Vale o que está no regulamento? Ou vale uma combinação entre as equipes? Andar com o carro de 2021, que é completamente diferente dos modelos de 2022, poderia acarretar alguma punição? Como é este prato? Aceita crédito? Tem coxinha? Ninguém da FIA soube responder.
Para não arriscar, a Ferrari adiou o início dos testes para esta quarta-feira, tirou a poeira do carro de 2018 (!!??) e o levou pra pista.
Fosse um episódio isolado, seria estranho. No contexto atual, é um desastre.
Masi está sob bombardeio intenso depois que conseguiu estragar o final do campeonato mais competitivo da história. Faltou-lhe coerência, isso é claro. Mas ele é apenas o cozinheiro. Quem não comprou a farinha e o frango para a coxinha foi o sócio que não faz nada. Quem não provê ao diretor de provas e aos comissários um regulamento claro é a federação.
Desde que assumiu a F1, há pouco mais de cinco anos, a Liberty revolucionou o esporte. Transformou um bar antigo e decadente num point vibrante, frequentado por jovens. Levou a F1 para as redes sociais, para o streaming e apostou em seus personagens.
Ao longo de 2021, este blog destacou várias outras iniciativas positivas, e as 400 mil pessoas nos três dias de GP dos EUA são o melhor exemplo dessa revolução. Na segunda-feira, levantamento da "Forbes" destacado pela Máquina do Esporte apontou a Liberty como o maior conglomerado esportivo do mundo, com valor de mercado de US$ 17,2 bilhões.
Do outro lado há uma instituição centenária, que tem outras preocupações como mobilidade urbana, acessibilidade e sustentabilidade, e que se move com a agilidade de um mamute. Que não consegue acompanhar o ritmo do sócio. Que, depois de 72 temporadas, não conseguiu escrever um regulamento claro, com respostas às situações de pista.
O desfecho da sociedade parece claro para mim. O atual modelo de gestão da F1 não se sustenta. São visões conflitantes. O choque é inevitável, se é que já não está acontecendo.
E aí, no embate entre tradição x dinheiro, entre história x resultados, imagino o segundo grupo levando a melhor. O sócio que não faz nada pode até continuar por ali, fazendo figuração, aparecendo nas fotos e promovendo a premiação de fim de ano. Mas é o outro que dará as cartas, inclusive na cozinha.
Já é assim nas ligas americanas, com o dono do dinheiro tomando conta do negócio de ponta a ponta. Para manter a analogia com os bares, é a velha máxima empresarial da "barriga no balcão". Para manter o crescimento, a F1 precisa se livrar da FIA. Ou, ao menos, escanteá-la.
Alguém acha que a Liberty já não está pensando nisso?
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