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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo no futebol: Imortal

Celsinho, meia do Londrina - Reprodução/Instagram
Celsinho, meia do Londrina Imagem: Reprodução/Instagram

02/09/2021 04h00

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Os que foram criança na era pré-internet devem conhecer a brincadeira de "morto-vivo". Aquela em que alguém comanda alternadamente "morto, vivo, vivo, morto...!" enquanto a turma se diverte levantando e abaixando até que um desavisado perde a competição ao levantar quando devia agachar ou vice-versa.

Quando o assunto é racismo em instituições brasileiras, a sensação que se tem é a de estar num eterno fingimento de estar morto quando o tema incômodo aparece e vivo quando ele gera repercussão pesada a ponto de levar embora a boa imagem, patrocínios, investimentos etc.

Morto! - O time de futebol Brusque, de Santa Catarina, se fez de morto e em uma nota oficial, acusando o meia Celsinho de "falsa imputação de crime" quando o atleta denunciou ter sofrido injúrias de um de seus dirigentes no jogo contra o Londrina, no último sábado. O fato foi registrado na súmula do árbitro Fábio Augusto Santos Sá Júnior. Está escrito no texto que um integrante do estafe disse a Celsinho: "Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha". Em sua primeira nota oficial, o clube ainda se referiu a Celsinho como oportunista e disse que ele "é conhecido por se envolver neste tipo de episódio".

Vivo! - A reação veio imediata nas redes e na imprensa, motivando o patrocinador do time --A Barba de Respeito-- a anunciar a suspensão do pagamento dos valores "até uma posição justa do time em relação aos responsáveis diretos pelas injúrias realizadas e ao autor da nota inicial". Rapidamente um novo comunicado apareceu com um pedido de desculpas e dizendo que a primeira comunicação foi "um momento infeliz".

É caminhando de "um momento infeliz" a outro, que estes casos se repetem indefinidamente, jogando a sociedade neste macabro jogo de desrespeito e desvalorização de pessoas, atacando características físicas como se estivéssemos numa eterna turma infernal de quinta série do fundamental. Racismo, ao contrário do que possa parecer, fere, mata, encarcera. Racismo não é brincadeira de criança.

O meia Celsinho ainda foi o pivô de uma sequência de comunicadores afastados dos veículos em que trabalhavam, por comentários e piadas inaceitáveis. No entanto, assusta quando uma agremiação tem a coragem de colocar por escrito a culpa em quem denuncia, quem fala, quem verbaliza a exigência por algo que deveria ser básico: respeito.

Olhando os jogos dos anos 70 e 80 do século passado, vários jogadores ostentavam suas cabeleiras crespas. Alguns lutaram bastante para que não estivéssemos hoje neste lugar inacreditável onde reinam as ofensas, os preconceitos, os ódios mal disfarçados.

A primeira nota oficial do Brusque é a concretização do brutal momento em que vivemos, que faz com que dirigentes de uma agremiação esportiva se sintam confortáveis em dizer que é falso um fato anotado até na súmula da partida e transformar a vítima em culpada. Na brincadeira de morto-vivo da nossa história, o único imortal parece ser o racismo que pavimenta todas as instituições nacionais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL