Bandeira, hino, camisa: símbolos de uma nação partida

"Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos..."
Aquarela do Brasil - Ary Barroso

Desconheço algo que mexa mais com o sentimento de nação do que competição. É em tempos de Copa do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos que o verde e amarelo surge com força para dizer que nós, os que moramos no maior pedaço de chão encravado na parte sul da América, somos um povo.

Nestes tempos em que supostamente (e bota supostamente nisso!) colocamos as disputas planetárias em segundo plano para exaltar os lugares aos quais pertencemos, a brasilidade é explorada ao máximo para fins comerciais e também ideológicos. Sim, toda campanha de unidade nacional quer impor algo ao final ou esconder alguma coisa no início. Não falha nunca.

Mesmo quem não viveu a época, entende hoje o que estava acontecendo por trás do "Cento e oitenta milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração". E quem diz que não sabe, sim, sabe. A questão é apenas se concorda ou não e por quais motivos.

Então, o Brasil que tanto já viveu sob o falso manto verde e amarelo de país cordial do "mulato izoneiro" de Ary Barroso, quer o quê agora que o mundo está assistindo praticamente ao vivo cair as máscaras que mostram nossa natureza cruel, excludente, classista, elitista etc.?

Uma porção do país quer manter o que sempre teve: privilégios a qualquer preço. Outra parte pleiteia ingresso no grupinho anterior e outros querem apenas sobreviver. No entanto, existe um pedaço significativo que deseja, enfim, pertencer. Pessoas que desejam chamar de nação um país que torce e trabalha por cada um e cada uma, ao invés de apenas exigir adoração irracional e que seus cidadãos e cidadãs se sacrifiquem por ele sem jamais dar nada em troca.

Graças aos protestos nas ruas nos últimos anos, volta e meia ouvimos dizer que "sequestraram os símbolos nacionais". E quem não se sente roubado de símbolo nenhum porque nunca se sentiu representado por eles?

Em dois meses acontecem os Jogos Olímpicos de Tóquio. Seria um prazer indescritível torcer se este país realmente existisse para todo mundo que nele nasceu e vive. O verde e amarelo faria algum sentido... mas ainda torcemos porque, no fundo, ainda queremos que alguma unidade exista e também porque nossas memórias afetivas mais caras estão por aqui.

"Oi essas fontes murmurantes
Onde eu mato a minha sede
Onde a Lua vem brincar
Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil"