Topo

Eliana Alves Cruz

Lewis Hamilton e o sinal amarelo para um autódromo no Rio de Janeiro

Projeto do Autódromo na região de Deodoro, no Rio de Janeiro - Divulgação
Projeto do Autódromo na região de Deodoro, no Rio de Janeiro Imagem: Divulgação

13/10/2020 12h46

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

É razoável ligar a motoserra e derrubar Mata Atlântica para construir um autódromo? O piloto Lewis Hamilton acha que não. Sua opinião conta não apenas porque é hexacampeão e vencedor do mesmo número de provas na Formula 1 que o alemão Michael Schumacher. Sua opinião vale porque ele também vem vencendo o campeonato de bom senso. Além de encabeçar campanhas contra o racismo planetário sem medo de represálias do multimilionário mundo das corridas, Hamilton em entrevista recente se posicionou contra a construção de pistas em Deodoro, tombando a floresta de Mata Atlântica do Camboatá.

"Eu amo Interlagos e estive no Rio algumas vezes, é um lugar bonito, mas derrubar uma floresta... não sei de todos os detalhes. Eu ouvi que potencialmente será algo sustentável, mas a atitude mais sustentável que você pode ter é não derrubar árvores" — disse Lewis, na última quinta, durante a entrevista coletiva antes do GP de Eifel.

Sempre cuidadoso em dizer que não conhecia o projeto completo, o inglês disse o óbvio. Todavia quando muitos interesses estão em jogo, o inquestionável não é assim tão explícito. A ver.

Rio x São Paulo

As duas brigam para sediar a etapa brasileira da F1. São Paulo tem pronto e acabado o autódromo de Interlagos, mas, segundo consta, a 'candidatura' paulistana não conta com os recursos que os cariocas afirmam possuir e, segundo matéria veiculada em O Estado de São Paulo,, os últimos estariam a um passo de superar os paulistas para ter a prova. São Paulo teria oferecido 20 milhões de dólares enquanto o Rio, 65 milhões.

O projeto para a realização da prova por dez anos na capital carioca foi aprovado pela Secretaria de Esporte do Rio de Janeiro em novembro, autorizando captação de R$ 302 milhões em incentivos fiscais para o GP do Brasil de F1 em 2021 e 2022.

A pedra no meio da pista

Está tudo muito bom, tudo muito bem, mas, como diria Drummond "Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra" e ela se chama licença ambiental. O CEO da Fórmula 1, Chase Carey escreveu ao governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), no último dia 14 de setembro cobrando... o óbvio: licenças para a construção do Autódromo de Deodoro.

A Rio Motorsports, consórcio à frente do esforço para ter Lewis Hamilton e outros astros da Fórmula 1 dando voltas dentro de um cockpit na zona oeste carioca, contratou consultoria ambiental para Estudo de Impacto Ambiental (EIA) na floresta. A conclusão é que o projeto de construção deve causar mais de 30 impactos na mata que conta com fauna e flora sob risco de extinção e áreas de preservação permanente.

Para diminuir o estrago, a Rio Motorsports diz que usará uma área de preservação ambiental de 810 mil metros quadrados, promete criar horto, área de soltura e recuperação de animais.

Cidade partida

O Rio de Janeiro, esta cidade tão desigual e abandonada em enormes bolsões de precariedade; a "cidade partida" como diz Zuenir Ventura; com gravíssimos problemas de segurança pública; em um momento crítico da vida ambiental de um país tomado pelo fogo e a destruição de biomas em todo o território nacional está planejando uma pista de velocidade em meio a uma área da já combalida mata Atlântica.

Este bairro que nos primórdios da colonização foi canavial que produzia açúcar e cachaça escravizando gente e hoje tem nome de general, abriga uma Vila Militar e a maior estação de trem do subúrbio carioca, mas que mesmo assim está abaixo 50 posições do Leblon, bairro de maior Índice de Desenvolvimento Humano da cidade, precisa de muitas coisas, mas um autódromo está mesmo na lista de prioridades neste momento?

A população diretamente afetada por um empreendimento deste vulto não deveria estar mais informada sobre as condições de realização de tal obra?

Não apenas Lewis Hamilton questiona a construção do Autódromo de Deodoro, mas sua voz é Importante pelo efeito multiplicador que possui.

"Eu estava torcendo para não receber uma pergunta do tipo porque, no final das contas, meu pensamento é que o mundo não precisa de um circuito novo. Acho que já existem circuitos suficientes no mundo que são ótimos. Particularmente, em um momento em que lutamos contra uma pandemia, e há uma crise contínua no mundo. Novamente, não tenho todos os detalhes, mas não é algo que eu apoio pessoalmente".

Sim, Hamilton, sua desconfiança procede. E muito.