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Eliana Alves Cruz

Ângelo Assumpção e o silêncio na colônia chamada esporte

O ginasta brasileiro Ângelo Roberto Dias de Assumpção - Esporte Clube Pinheiros/Divulgação
O ginasta brasileiro Ângelo Roberto Dias de Assumpção Imagem: Esporte Clube Pinheiros/Divulgação

08/09/2020 04h00

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"Passando para agradecer as mensagens de vocês mais uma vez, vocês são incríveis, entendem a importância da gente debater sobre esse assunto, que não é só dos negros e sim da sociedade. Então esse racismo estrutural a gente precisa tirar dessa estrutura da sociedade, é bom para todos nós. A gente precisa caminhar para o lugar certo, um lugar mais igualitário, um lugar onde todos tenhamos oportunidades de ser quem nós somos", falou o ginasta Ângelo Assumpção há poucos dias, em seus stories do Instagram, em resposta a uma "vaquinha" organizada por familiares e amigos para que ele possa seguir treinando.

O dia seguinte à independência deveria ser o da liberdade. Há 198 anos o Brasil não é oficialmente colônia, mas, assim como em 8 de setembro de 1822, o dia seguinte não é sinônimo de grilhões rompidos. Profundamente atrelados ao ideário colonial, estamos em 8 de setembro de 2020 e ainda não redefinimos modos de agir e pensar. E o esporte com isso?

E daí que temos um modelo de gestão esportiva compatível com todo o resto que nos cerca historicamente. E o que nos cerca são falsas liberdades e independências. Enquanto filhos de portugueses nascidos no Brasil, alguns abastados e escravocratas lutavam para se ver livres de Portugal, o "bicho pegava" em rebeliões por todo o país para que pudéssemos nos livrar do problema de fundo, do problema real e gritante daquele tempo: a escravidão. Lutas criteriosamente sufocadas para que quase 200 anos depois ainda tenhamos medo de lutar contra os ecos deste mal por toda parte, inclusive nas dependências dos maiores clubes nacionais.

Recentemente tivemos de volta à mídia o ginasta Ângelo Assumpção, desta vez porque foi demitido do Clube Esporte Pinheiros, logo depois de cumprir suspensão por ter levado queixas de racismo à diretoria passando por cima dos seus técnicos. Existe algo mais colonial?

A família organizou uma "vaquinha" para tentar arrecadar o básico para Ângelo seguir no esporte. O atleta passou 16 dos seus 24 anos no clube e depois de todas as questões levantadas, a única punição parece ter sido a dele. No final de todo o ocorrido, apenas uma pessoa saiu realmente ferida e prejudicada: Ângelo Assumpção. Ele que também tem no histórico o racismo escancarado e filmado de seus colegas de seleção.

Ângelo está sem trabalho porque as colônias que são as agremiações brasileiras estão amparadas por legislações hipócritas e regulamentos disciplinares castradores, oriundos não apenas de nosso passado escravocrata, mas também de nossa larga trajetória em ditaduras. Racismo é crime na justiça comum, mas nossa legislação esportiva nem ao menos tipifica o crime de injúria racial.

Lindo seria ver uma mobilização de atletas por Ângelo como a que fizeram os músicos da orquestra do músico Luiz Carlos da Costa Justino, preso injustamente. Jovens tocando em frente ao presídio, fazendo o sistema carcerário forjado no hábito de balizar pela cor da pele sentir que não pode mais agir sem que haja reação de todos. Uma "vaquinha" organizada pela família e pelos amigos é incrível, mas o que dizer do silêncio da "classe"? O que dizer do silêncio na "colônia"?

Conversando com várias pessoas sobre este tema, muitos são rápidos em apontar o "racismo institucional". A pergunta final é: do que são feitas as instituições, se não de gente?