Topo

Eliana Alves Cruz

Melânia Luz, a primeira negra na delegação olímpica brasileira

Melânia Luz, velocista brasileira que competiu nos 200 metros femininos nos Jogos Olímpicos de 1948 - Arquivo
Melânia Luz, velocista brasileira que competiu nos 200 metros femininos nos Jogos Olímpicos de 1948 Imagem: Arquivo

21/07/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não fosse a pandemia causada pelo novo Covid-19 estaríamos agora, nesta metade do ano, mergulhados nos Jogos Olímpicos de Tóquio, suas histórias, personagens, proezas... Estaríamos recordando os atletas que ao longo da história bateram recordes, estabeleceram novos parâmetros e deixaram suas marcas. Estaríamos falando de muita gente, mas estaríamos falando dela? - Melânia Luz dos Santos - a moça que foi a primeira mulher negra em uma delegação brasileira olímpica, nos Jogos de Londres, em 1948?

Naqueles tempos tão mais hostis para a mulher em geral e, principalmente, para a mulher negra, Melânia ousou integrar o time de atletismo que desembarcou na capital inglesa, mas ela é pouco conhecida da esmagadora maioria do público que acompanha esporte e menos ainda no público em geral. Seu nome é um capítulo no livro "Mulheres Negras do Brasil", de Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, que conta a trajetória do grupo mais invisibilizado na historiografia nacional. Uma consequência direta da escravidão que por aqui vigorou por quase quatro séculos.

Melânia nasceu em 1928, no bairro paulistanos do Bom Retiro, quando o Brasil tinha oficialmente abolido a escravidão há apenas 40 anos. Ela viu o mundo mergulhar numa guerra planetária e sair dela. Ela era uma menina de oito anos quando o norte-americano Jesse Owens vencia os 100m e 200m rasos diante da estupefata platéia hitlerista dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. As mesmas provas em que ela, treinada pelo famoso alemão Dietrich Gerner - técnico do futuro bicampeão olímpico Ademar Ferreira da Silva, seu colega no São Paulo Futebol Clube e na seleção brasileira - disputaria em Londres 12 anos mais tarde.

A equipe brasileira na Inglaterra era composta por 77 atletas (70 homens e 7 mulheres). Melânia formou com Benedita Oliveira, Elizabeth Clara Muller e Lucila Pini o primeiro quarteto brasileiro de revezamento 4x100m livre em Olimpíadas que, embora não tenha conseguido chegar à fase final, bateu o recorde sul-americano da prova.

Sobre o esporte no Brasil é comum ouvir a frase: "Brasileiro não gosta de esporte. Gosta de ganhar". O país não se acostumou a ver como vitórias o acesso à maior e mais disputada competição do planeta, um recorde nacional ou continental obtido nela. A noção de sucesso no campo esportivo, para uma parte significativa de torcedores, passa por ilusórias noções de meritocracia e não levam em conta o contexto histórico que cada participação representa. Qual o país dos 20 anos de Melânia Luz?

Quando Melânia Luz embarcou como único corpo feminino negro na delegação olímpica, vigorava há três anos o Decreto nº 7.967 de 1945, assinado por Getúlio Vargas sobre a admissão de imigrantes europeus no país. O texto ressaltava "à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia". Concursos de beleza elegiam as crianças e adultos com as melhores "qualidades eugênicas", ou seja, de boa linhagem, nas emissoras populares de rádio, como a Tupi, e apoiados financeiramente pela Secretaria Geral de Educação e Cultura.

Ainda hoje é possível ver resquícios do racismo científico que tomou corpo no século 19, avançou pelo século 20 e chega aos nossos dias ainda em noções de aptidão física que confinam a população negra a determinadas modalidades e práticas, sem levar em conta toda a exclusão de acesso aos equipamentos esportivos.

O esporte acompanhou toda vida de Melânia Luz, que superou inúmeros recordes nacionais, continentais e ganhou medalhas em incontáveis competições. Ela disputou provas e bateu marcas até 1998, quando já contava 70 anos. O que falta a Melânia, hoje aos 92 anos? O reconhecimento do seu país. Em entrevista ela disse: "Eu fiquei na história. Eu também competi. Não é que me deixaram."