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Diogo Silva

Negar o racismo é desconhecer e tentar apagar a história

25/11/2020 11h47

Neste ano, atletas negros tomaram para si o protagonismo contra o racismo e produziram imagens que entraram para o mundo dos esportes. Como esquecer das paralisações dos jogos da NBA ou de Lewis Hamilton, no pódio da Fórmula 1, usando camisetas com a frase "Vidas negras importam".

As exposições desses grandes atletas pelo mundo produziram uma reação em cadeia, chegando aos atletas olímpicos e aos jogadores de futebol. Richarlison, atacante do Everton (ING) e da seleção brasileira, por exemplo, é um dos mais ativos nas redes sócias em prol da negritude.

Em 2020, vimos denúncias de violência, protestos, boicotes e até as eleições americanas foram inundadas pelas manifestações. Porém, os resultados positivos não impediram que um momento que deveria ser de festividade, reflexão e resistência pelo mês da Consciência Negra no Brasil fossem transformados em dias de ódio.

Depois do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, que foi espancado e asfixiado até a morte por dois seguranças brancos do supermercado Carrefour, um dia antes do 20 de novembro, estragou qualquer possibilidade de festividade.

A cena do assassinato de Beto foi filmada por câmeras de segurança e por pessoas que estavam no local e repercutiu pelo mundo. As imagens são tão assustadoras pelo tamanho da covardia e brutalidade, que o questionamento que somos todos humanos cai por terra. Há muito tempo não somos tratados com humanidade. Algumas pessoas só creditam positividade em manifestações pacíficas. A questão é que não há mais paz em nossos corações e, quando isso acontece, a juventude responde da forma como se sente, com fúria e indignação.

Jogadores do Botafogo protestam contra o racismo em jogo do Brasileirão - Thiago Ribeiro/AGIF - Thiago Ribeiro/AGIF
Jogadores do Botafogo protestam contra o racismo em jogo do Brasileirão
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Na rodada do fim de semana do Brasileirão, alguns times se manifestaram. O Botafogo entrou em campo com uma faixa com a frase "Racismo existe e mata", contrariando as falas indecentes do vice-presidente Hamilton Mourão, que declarou que racismo não existe no Brasil. O mesmo Mourão que já havia dito que o problema do país é a indolência dos indígenas e malandragem dos negros. O vice-presidente do Brasil ignora as estatísticas que apontam que são pessoas negras 70% das de mais de 60 mil mortes anuais por armas de fogo e violência doméstica no Brasil.

O Cruzeiro também se manifestou contra o racismo. O time colocou nas camisas expressões racistas, como a coisa está preta, denegrir, serviço de preto e criado-mudo, que precisam ser riscadas da língua portuguesa. E foi isso justamente isso que foi fez.

O São Paulo, no jogo contra o Vasco, usou o terceiro uniforme, de cor preta. Cada camisa trazia uma homenagem a personalidades negras importantes no Brasil. Eis a escalação:

1 - Grande Otelo (1915-1993); 2 - Lima Barreto (1881-1922), 3 - Milton Santos (1926 - 2001), 4 - André Rebouças (1838 - 1898), 5 - Sônia Guimarães (1957 - ), 6 - José do Patrocínio (1853-1905), 8 - Francisco José do Nascimento (1839-1914), 9 - Antonieta de Barris (1901-1952), 10 - Adhemar Ferreira da Silva (1927-2001), 11 - Machado de Assis (1839-1908), 12 - Carolina Maria de Jesus (1914-1977), 13 - Teodoro Sampaio (1855-1937), 15 - Pixinguinha (1897-1973), 16 - Elza Soares (1930-), 17 - Tia Ciata (1854-1924), 19 - Enedina Alves Marques (1913-1981), 20 - Melânia Luz (1928-2016), 21 Zumbi dos Palmares (1665-1695), 25 - Jaqueline Góes de Jesus (1990 -), 26 - Luiz Gama (1830-18882), 30 - Esperança Garcia (1751-?), 32- Tereza de Benguela (?- 1770), 40 - Dandara dos Palmares (? - 1694) e 41 - Maria Firmina dos Santos.

Os jogadores de Corinthians e Atlético-MG entraram em campo com uma camisa com o número 23 e nomes de homens e mulheres vítimas do racismo. As estatísticas apontam que uma pessoa preta é morta a cada 23 minutos no Brasil.

Sendo o futebol o esporte mais popular do Brasil e com jogadores negros entre os mais brilhantes do mundo, como Pelé, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Romário e Formiga, as ações de combate ao racismo por CBF e clubes são pífias, pequenas, praticamente inexistentes, demonstram uma fragilidade em suas gestões e não respondem às cobranças da sociedade.

O Carrefour é reincidente em casos de violência contra negros. Em outubro de 2018, funcionários de uma unidade em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, perseguiram um homem negro que havia aberto uma lata de cerveja na loja. Apesar de ele falar que iria pagar, os seguranças o agrediram com um mata-leão. O homem, que é deficiente físico, teve várias pelo corpo e, como sequela da cirurgia, ficou com uma perna mais curta que a outra. Em 2009, seguranças da rede de hipermercados agrediram o vigia e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, de 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco.

Casos envolvendo supermercados não faltam. Em setembro de 2019, um adolescente de 17 anos, também negro, foi chicoteado, amordaçado em uma unidade do Rickoy, na zona sul de São Paulo. Os seguranças deixaram nu o jovem, acusado de roubar chocolate na loja, e filmaram as agressões. Extra e Koch também preenchem a lista.

O grupo de advogados, ativistas e jurista negros, chamado de Colisão Negra, conseguiu até o momento 14,5 mil assinaturas para um boicote a rede Carrefour. Além da campanha, a Coalizão Negra por Direitos apresentou representação no Ministério Público Federal e no Ministério Público do Rio Grande do Sul para abertura de investigação contra a rede e a responsabilização da empresa pela prática de crime de racismo.

Nós, negros, sempre sofremos em supermercados. Essa prática de seguranças, gerentes e funcionários nos perseguirem, como se fôssemos roubar algo, é muito antiga, vem desde a Constituição de 1890, que criou leis para defender as propriedades, não as pessoas.

O ano de 2020 está para acabar, mas até o último dia vai continuar expondo as máscaras que cobriam as verdades desse pais. Assim como as máscaras de caveiras usadas por um grupo de 15 pessoas na Vila Mariana, bairro de classe média na zona sul de São Paulo. O grupo pendurou na avenida 23 de maio, uma das mais importante da capital paulista, uma faixa com a frase "Vidas brancas importam", um dia depois do assassinato de Beto, em Porto Alegre. Em fotos nas redes sociais fazem sinais típicos da supremacia branca.

Como diz Mc Sombra em sua música O Homem Sem Face, "mestres dos disfarces causam a ilusão, pra ludibriar, em sua mente é uma coisa, mas é outra no olhar". Quando as máscaras caírem toda verdade ira se revelar.