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Diego Garcia

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Manifesto patético da seleção é mais um troféu para coleção de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro exibe uma camisa da seleção brasileira ao lado de Neymar, Rogério Caboclo, e do general Augusto Heleno - Divulgação
O presidente Jair Bolsonaro exibe uma camisa da seleção brasileira ao lado de Neymar, Rogério Caboclo, e do general Augusto Heleno Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

09/06/2021 09h26

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Nunca existiu qualquer chance de os jogadores da seleção brasileira se manifestarem politicamente contra a realização da Copa América. No fundo, não passou de um grande delírio coletivo. E o patético manifesto publicado ontem (8) teve o mesmo efeito que as incontáveis notas de repúdio que o governo federal coleciona na pandemia.

Normal, vindo de um grupo cheio de jogadores brasileiros liderados por quem é simpático ao presidente da República. Neymar postou o tal "manifesto" em seus stories com letras minúsculas e no meio de outras 30 postagens. Fruto de parceria com quem já recebeu "notas de repúdio" de professores, banqueiros, médicos, políticos, assistentes sociais, jornalistas, jogadores de futebol, etc.

Os jogadores não "quiseram tornar essa discussão política", mas ignoram o fato de que a Copa América ser no Brasil só existe por conchavo entre Conmebol, CBF e Jair Bolsonaro. De um lado, duas entidades historicamente corruptas, inclusive com o atual presidente de uma delas acusado de abuso sexual; do outro, o governo que pior combate a covid-19 no planeta Terra.

O que queriam os jogadores, afinal? Férias? Derrubar Caboclo? Por quê? Pela imundície da denúncia de assédio não era, pois há quem tenha enfrentado mais de uma dessas na carreira e continue intocável. Já se fosse por trazer a Copa América ao Brasil no meio da pandemia, mais uma vez o assunto é político. Não existe crítica à crise sanitária sem falar de quem ignorou dezenas de propostas de vacinas, promoveu remédios ineficazes e incentivou aglomerações sem máscara.

No fim, podemos concluir que foi só mais uma nota de repúdio entre tantas outras para a coleção envolvendo o governo, direta ou indiretamente. Choveram ações do tipo na pandemia.

Em junho, professores repudiaram a prisão de um colega que protestava contra o governo; em maio, jornalistas criticaram ataques à imprensa em atos pró-governo, e assistentes sociais censuraram falas do presidente sobre o Bolsa Família; em abril, o colunista Jamil Chade revelou carta da ONU contra a restrição ao direito à educação de crianças deficientes, e ganhadores do Nobel e pesquisadores alertaram sobre os ataques à ciência no Brasil.

Em março, foi a vez de economistas e banqueiros criticarem a atuação do governo na pandemia; em fevereiro, governadores soltarem notas contra declarações do presidente a respeito de repasses de verbas e o STF; em janeiro, prefeitos repudiaram o esvaziamento nos cadastros de programas sociais. E ainda nem mencionei as manifestações de profissionais de saúde e cientistas pelo péssimo combate do governo à pandemia.

Isso, só para citar poucas. E todas tiveram o mesmo efeito: absolutamente nenhum. Bolsonaro segue fazendo o que quer e quando quer. Só que agora também pode se vangloriar de um manifesto da seleção contra a bizarrice que deu o aval para vir ao Brasil, um megaevento rejeitado na Argentina pela situação da pandemia. E aceita aqui, com 3 mil mortos por dia e à beira da terceira onda da covid-19. Parabéns aos envolvidos.