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Craque Daniel

A Grande Beleza

Cena de "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino - Divulgação/Europa Filmes
Cena de "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino Imagem: Divulgação/Europa Filmes

09/11/2020 11h54

"Procurei a Grande Beleza e não encontrei", já dizia Jep Gambardella no filme de Paolo Sorrentino. Enquanto que por aqui, após mais uma eliminação vexatória contra o Lanús e vitória apagada contra o Goiás, o que se esquece é da inegável qualidade do técnico Fernando Diniz, que em meio à sua implacável perseguição à beleza, coleciona pelo caminho belíssimas eliminações.

A eliminação que encanta não só é uma qualidade rara num profissional, mas a última alegria possível para um clube que não formou uma equipe forte o suficiente para avançar nas competições. Então que pelo menos siga perdendo e enchendo os olhos, com toque de bola e ousadas tabelas próximo à própria área (tabelar no campo do adversário não é ousado o suficiente para Diniz), enquanto um técnico comum muito provavelmente seguiria a cartilha das derrotas esteticamente pobres. Inclusive deve ser por isso que o treinador vem sendo mantido no cargo.

Entretanto, o drama, ou pior, a maldição tricolor, é muito mais profunda que a obsessão de Diniz pelo belo: o imaginário são-paulino é prisioneiro da própria glória e beleza nas quais sua identidade foi talhada, e vive condenado ao desejo de retorno, sendo que nada nunca será tão perfeito quanto o passado. É um ideal inalcançável não para a comissão técnica, mas para nossa compreensão de identidade e ideal. Ainda que o São Paulo seja campeão mundial novamente, o passado é imbatível, e clubes tão marcados por períodos inesquecíveis estão fadados a serem repetidamente derrotados por ele, o implacável e inatingível passado - enquanto o que nos resta é o presente com seu gosto azedo de realidade.

A Seleção Brasileira também corre perpetuamente atrás do próprio rabo desde o fim dos anos 70, com o agravante de que quando parecia que havíamos nos reencontrado em 82, fomos tão cruelmente atropelados pelo mundo real, que passamos a nem saber mais quem somos e o que deveríamos inutilmente estar perseguindo.

Fernando Diniz, em jogo do São Paulo contra o Goiás - Marcello Zambrana/AGIF - Marcello Zambrana/AGIF
O técnico Fernando Diniz enxergando o que ninguém mais consegue
Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Raio-x das eliminações

Pela Copa do Brasil, o Tricolor terá mais uma chance de redenção contra o Flamengo, um adversário ainda abalado pelo duro golpe do falso auxiliar do Guardiola. Mas para isso, é urgente que o São Paulo compreenda seus infortúnios recentes para não cair nos mesmos erros.

A eliminação para o Lanús pela Sulamericana (para quem não conhece, a simpática segunda divisão da América do Sul) empilha-se à do Mirassol pelo Paulista e à primeira fase pela Libertadores da América. Mas de toda essa coleção, o que mais marcou foi o exótico argumento da "vitória na segunda etapa" contra a LDU na Libertadores (na derrota por 4x2 se levarmos em conta a arcaica regra de contar os dois tempos).

Lembrou-me a eliminação do Brasil contra a Bélgica na última Copa, quando a Seleção Brasileira foi atropelada no primeiro tempo, e diante de uma equipe belga recuada para segurar o resultado no segundo, o estrategista Tite (e seu séquito) preferiram enxergar pela ótica particular de que o Brasil teria "amassado" o adversário nos 45 minutos finais. Então ficam aqui, ainda que tardiamente, os meus parabéns.

De todo modo, espero que com essa vitória magra, pálida e beirando a ilegalidade contra o lanterna Goiás, Diniz finalmente tenha paz para seguir sua busca pelo belo, ainda que, como o próprio filme de Paolo Sorrentino diz, do "feio com pinceladas de beleza", ao final só resta "a humanidade miserável".

Essa coluna não reflete nem minhas próprias opiniões. Escrevo enquanto discordo veementemente de minhas próprias palavras.

cerginho - Reprodução - Reprodução
Por Professor Cerginho da Pereina Nunes
Imagem: Reprodução

Craque Daniel é apresentador do Falha de Cobertura, (supostamente) ex-jogador, empresário de atletas e inocentado de todas as acusações feitas contra ele.

(Personagem interpretado por Daniel Furlan, um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o Falha de Cobertura e Choque de Cultura.)