O sonho de Autuori

Afundado no Z4 do Brasileiro e com o mata-mata da Libertadores da América se aproximando, paira sobre o Athletico-PR a inquietante sensação de que algo diferente tem que acontecer. Lembrando que algo diferente acontecendo nem sempre é coisa boa.

Em busca da classificação para a Sul-Americana, a equipe até fez seu dever de casa perdendo para o Peñarol, mas por uma combinação de resultados acabou sofrendo a dura permanência na Libertadores, e vai continuar causando aborrecimentos à sua torcida - pelo menos até que venha a tão sonhada eliminação e o fim do tormento que é essa competição para quase todo clube.

Por sinal, é comovente o drama de Paulo Autuori, que além de ter que fazer um trabalho que ele faz questão de deixar claro o tempo todo que não suporta mais, ainda por cima terá que comandar um time numa competição que os atletas fizeram de tudo para não disputar. É difícil a missão do Athletico, mas é mais difícil ainda a própria existência de seu treinador, cujo destino (e o Presidente Petraglia) não permitem que ele seja feliz.

Destaque da Semana: o sistema imunológico de Walter

Mas meu Destaque da Semana tem uma história pessoal ainda mais dramática que a de Autuori: o ser humano Walter, que talvez pela imunidade prejudicada por uma vida inteira dedicada ao abuso de biscoitos achocolatados, durante a pandemia viu-se atormentado por um novo inimigo do corpo humano, quase tão poderoso quanto o recheio de gordura transgênica: a Covid-19. O atleta já soma três diagnósticos positivos, superando Ronaldinho Gaúcho, com apenas uma contaminação, e até o obstinado Cristiano Ronaldo, com duas contaminações confirmadas. Não por acaso, Walter pediu para voltar a usar a camisa 19.

E quando falamos em Walter, como não lembrar do vídeo viral do jovem Breno e sua fascinante dieta exclusiva de leite achocolatado e biscoitos, que assim como o centroavante athleticano, chocou e ao mesmo tempo encantou o Brasil?

A infantilidade do paladar, a senilidade da estrutura óssea, a baixa imunidade e o desespero da mãe de Breno, que é como o desespero de todas as diretorias que tentaram e falharam na tentativa de domar Walter e seu desejo insaciável por biscoitos industrializados - até agora.

Uma eventual vitória pessoal de Walter ao abrir mão de sua estranha dieta pode significar o sucesso do Atletico na temporada, mas não há como negar o fascínio exercido pela pureza infantil de seu vício, assim como a plenitude com que o intrigante Breno em seu vídeo levava o copo de achocolatado até os serenos lábios, num encontro com a verdadeira felicidade ali naquele toque desse menino do rio (de achocolatado). Se Caetano Veloso fizesse uma música sobre esse rapaz, ou sobre o Walter, eu não sei se suportaria tamanha beleza.

O fato é que o drama pessoal de Walter de negar a dieta que seu corpo almeja, e o sonho impossível de Autuori de parar de treinar times de futebol nos ensinam que a verdade é que não há como viver da maneira que idealizamos. O desejo sufocado de Walter e a maldição de Autuori, combinados, resultam na síntese do que é existir em sociedade num mundo material.

Um, para seguir produtivo em sua profissão, silencia o próprio corpo que clama por viver à base de doces altamente processados; o outro é condenado a comandar adultos infantilizados correndo atrás de uma bola até o fim de seus dias. Mas ambos estão fadados a cumprir sua função na engrenagem do capitalismo, enquanto, assim como cada um de nós, soterram os desejos da alma.

Essa coluna não reflete nem minhas próprias opiniões. Escrevo enquanto discordo veementemente de minhas próprias palavras.

Questionamento do Professor Cerginho

Craque Daniel é apresentador do Falha de Cobertura, (supostamente) ex-jogador, empresário de atletas e inocentado de todas as acusações feitas contra ele.

(Personagem interpretado por Daniel Furlan, um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o Falha de Cobertura e Choque de Cultura.)