Topo

Craque Daniel

Escalar mal para substituir bem

Obediência tática: Luxemburgo sinaliza o número de gols que a equipe deveria marcar contra o Coritiba - Pool/Getty Images
Obediência tática: Luxemburgo sinaliza o número de gols que a equipe deveria marcar contra o Coritiba Imagem: Pool/Getty Images

19/10/2020 04h00

Depois da derrota para o Coritiba que custou o cargo do técnico Vanderlei Luxemburgo, o Palmeiras segue perdendo de forma convincente, dessa vez contra o Fortaleza, num confronto em que a equipe falhou até nas finalizações contra a própria meta.

A queda de Luxemburgo por si só não surtiu grandes efeitos. O time permanece inoperante e ainda perdeu a principal estratégia do antigo treinador, a de escalar mal para substituir bem. Com os principais atletas jogando desde o início, simplesmente não há como, no decorrer da partida, melhorar uma equipe que toma gols como esse Palmeiras gosta de tomar. Questão de lógica.

Um profissional experiente sabe que a substituição é o gol do técnico, e para isso é imprescindível escalar mal, do contrário lhe faltarão peças no intervalo. Não é por acaso o alto índice de treinadores demitidos no país, vítimas dessa injustificável mania do futebol brasileiro em escalar o que há de melhor. Quando o atleta que entra de início faz gol, o mérito é do atleta, mas quando o atleta que entra no decorrer do jogo marca, é como se seu corpo fosse uma mera marionete do comandante. E, além do mais, em qualquer ambiente de trabalho, mais importante do que trabalhar bem, é parecer que está trabalhando bem — ou pelo menos parecer que está trabalhando, nem que seja lendo e-mails coçando a cabeça, dando a impressão de que são e-mails importantes e não apenas insistentes mensagens para que aumentemos nossos pênis. Todos sabem que empresas diversas nos bombardeiam com publicidades individualmente direcionadas, graças à escuta de nossos mais inconfessáveis sonhos e frustrações. Então, nada mais natural do que enxurradas de e-mails com métodos tentadores dessa natureza.

Voltando ao assunto, se Vanderlei, enquanto seus comandados tomavam um gol atrás do outro do Coritiba em casa, permanecesse lendo e-mails coçando a cabeça no banco de reservas, certamente teria passado uma impressão muito mais positiva para torcida e diretoria, preservando seu cargo.

Libertadores

Gustavo Scarpa, durante treino do Palmeiras na Academia de Futebol - Cesar Greco - Cesar Greco
Scarpa: a saúde mental que CR7 nem sonha em ter
Imagem: Cesar Greco

Mesmo na boa campanha na Libertadores, o treinador já vinha dando sinais de sucumbir à pressão em detrimento de seu estilo, com vitórias de um time se portando bem desde o início, ou seja, com os méritos recaindo todos sobre os atletas. Uma situação que, em seu auge, o jovem Luxemburgo jamais permitiria.

O sinal de alerta já vinha sendo dado quase que de forma despercebida, com declarações como as do atleta Rafael Veiga dizendo que o (agora ex) treinador o "tira da zona de conforto". Lembro da minha preocupação ao ler essas palavras, pois como coach sei muito bem que se zona de conforto fosse ruim, não teria esse nome. Inclusive afirmo isso em meu livro "Você Não Merece Ser Feliz — Como Conseguir Mesmo Assim" (Editora Intrínseca), que pelo visto não tem sido aplicado na Sociedade Esportiva Palmeiras. Sou suspeito para dizer o quão necessário meu livro é, mas acredito que a situação em que o clube se encontra fala por si só.

Diante da inércia do restante da imprensa, temi solitariamente pelo futuro do projeto alviverde na temporada, e apesar de não ser dono da razão (embora eu tenha registrado em cartório a palavra "razão" em meu nome), eu tinha razão. Veja o caso do atleta Scarpa, que vive em harmonia na zona de conforto já há alguns anos, e com certeza no futuro calará os críticos de seu estilo de vida, colhendo os frutos de uma velhice recheada de saúde mental e um corpo preservado para correr descansadamente na praia com os netos, enquanto tira fotos de si mesmo sorrindo.

Mas nem tudo está perdido para o Palmeiras. A resposta para dias melhores está em sua própria campanha na Libertadores, especialmente na goleada aplicada no Bolívar, clube de um país que não por acaso também foi goleado pela Seleção Brasileira recentemente. Ou seja, o caminho para uma recuperação do futebol brasileiro como um todo está em confrontos mais frequentes com equipes bolivianas. Inclusive, a diretoria alviverde, se realmente leva à sério a alegria de seus torcedores, já deveria estudar uma maneira de inscrever o clube para a disputa do Bolivianão.

Enquanto isso não ocorre, a equipe vai sentindo na pele a crise na nova realidade sem torcida nos estádios, o que pode ser até pior. Eu posso atestar porque fui muito vaiado em campo, e ainda sou vaiado às vezes quando saio de casa, aparentemente sem nenhuma razão.

Quando um profissional é vaiado por uma multidão, é algo impessoal, quase abstrato, além de irracional. Mas a vaia da torcida eletrônica é uma decisão ponderada de uma pessoa, um profissional da vaia - o DJ de torcida - e portanto dói muito mais intimamente. Quando Carlinhos Brown teve arremessados contra si diversas garrafas d'água no Rock in Rio, ele continuou o show com muita personalidade, profissionalismo e extrema brasilidade, mas tenho certeza de que se ele tocasse uma música num ambiente intimista para uma pessoa só, e recebesse como resposta uma garrafada na cara, o trauma seria muito maior.

Destaque da semana

Felipão posa com a camisa do Cruzeiro após ser anunciado como novo técnico - Reprodução - Reprodução
Em novo apagão, Scolari quando deu por si já havia assinado com o Cruzeiro
Imagem: Reprodução

O destaque da semana, entretanto, vem não só de outro clube, como de outra divisão, para não dizer de outra dimensão. O aparentemente interminável episódio de "Além da Imaginação" em que vive o Cruzeiro continua, agora promovendo o reencontro de seu novo técnico, Luiz Felipe Scolari, com o Mineirão. Tenho certeza que Dona Lúcia já está preparando a cartinha.

Essa coluna não reflete nem minhas próprias opiniões. Escrevo enquanto discordo veementemente de minhas próprias palavras.

Questionamento do Cerginho

Questionamento do Cerginho 19/10 - Craque Daniel - Craque Daniel
Imagem: Craque Daniel

Craque Daniel é apresentador do Falha de Cobertura, (supostamente) ex-jogador, empresário de atletas e inocentado de todas as acusações feitas contra ele.

(Personagem interpretado por Daniel Furlan, um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o Falha de Cobertura e Choque de Cultura.)