Topo

Coluna

Campo Livre


Campo Livre

Sampaoli e Jesus não vieram revolucionar o Brasil, mas trazem colaboração

Jorge Jesus chegou ao Flamengo durante a pausa da Copa América - Thiago Ribeiro/AGIF
Jorge Jesus chegou ao Flamengo durante a pausa da Copa América Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

17/07/2019 12h00

Se ainda gastamos tempo com discussões a respeito da nacionalidade de treinadores que trabalham no Brasil, então, convenhamos, nossos debates sobre futebol perderam o sentido. É claro que um técnico estrangeiro pode precisar de mais tempo para conhecer o futebol brasileiro e suas peculiaridades, o que, porém, não é uma circunstância necessariamente presente. Sampaoli e Jorge Jesus, por exemplo, desembarcaram nestas terras já com informações suficientes para iniciarem seus trabalhos.

Sampaoli talvez não soubesse quanto dinheiro o Santos poderia investir nesta temporada, mas está claro que, dentro de campo, precisou de poucas semanas para fazer as coisas funcionarem bem. O Santos não ganhou o Paulista deste ano; também ficou pelo caminho na Sul-Americana e na Copa do Brasil. Cada insucesso foi imediatamente seguido por críticas que ressaltavam o que deveria ser tratado como irrelevante: o fato de o técnico não ser brasileiro. Sampaoli cometeu erros em alguns jogos, particularmente na goleada para o Palmeiras, pelo Brasileiro, mas não são muitos os treinadores que conseguiriam fazer o atual time do Santos jogar tão bem quanto tem jogado, nem são muitos os que, mesmo perdendo titulares, estariam, depois de 10 rodadas, em segundo lugar no campeonato nacional.

Sampaoli está no meio do caminho, ou seja, ainda não atingiu seu máximo possível como treinador---- a tendência é que cada vez menos cometa erros parecidos com os que marcaram seu trabalho com a Argentina na Copa de 18. Se não se acomodar, se entender que é possível continuar aprendendo, Sampaoli poderá ir além do bom realizado no Sevilla e do ótimo que fez no Chile. Se as circunstâncias e as condições adequadas forem dadas, o melhor de sua obra talvez seja visto no Santos.

Escrevi no início do ano, aqui no Campo Livre do UOL Esporte, e repito: pode ser que Sampaoli termine 2019 sem títulos, mas me parece óbvio que seu trabalho é bem feito e que não há muitos treinadores à disposição que conseguiriam os mesmos resultados. As conquistas, afinal, dependem de bem mais que um bom técnico; sem este, no entanto, são muito mais difíceis.

Jorge Jesus não está sendo apresentado ao futebol brasileiro. Ele já sabia o que se passa nos campos daqui, além, é óbvio, de conhecer a história e a importância dos principais clubes do Brasil. Mesmo assim, há sempre a necessidade de alguma adaptação, principalmente na organização de treinos e na maneira de utilizar o elenco. O trabalho de um técnico só vai pra frente se suas ideias e métodos são compreendidos e aceitos por seu elenco. Jorge Jesus sabe que é assim; daí o elogio que fez aos jogadores, logo depois da goleada sobre o Goiás. O Flamengo tem investido muito no futebol, aumentando em seus torcedores a já naturalmente grande confiança de que o time ganhará títulos.

Com a experiência que acumulou na carreira, Jorge Jesus está ciente de que, ao fim, vitórias e taças é que irão garantir apoio e tranquilidade, independentemente do quanto ele exaltará a grandeza do clube. Mas, até para evitar os danos da xenofobia, é importante que ele, como fez assim que chegou ao Rio, mostre que não encara sua vinda ao Brasil como aventura, mas, sim, como oportunidade. De resto, não será novidade para o treinador a constatação de que eventuais resultados ruins provocarão decepções proporcionais à expectativa.

O que importa é que os dirigentes tenham convicção de que escolheram o técnico certo para lidar com o elenco que o clube pode ter, ainda que as conquistas não sejam imediatas. Não é o fato de serem estrangeiros que torna Sampaoli e Jorge Jesus bons treinadores. Aliás, é lamentável a necessidade de se repetir tal obviedade. Igualmente lamentável é precisar insistir que técnicos brasileiros podem ser tão bons quanto os de outros países, isto é, não estão condenados à mesmice e ao atraso.

Rogério Ceni, Barroca, Diniz, Carille, Hellmann e Tiago Nunes são alguns exemplos de treinadores que têm tempo e condições para evoluções significativas. Se corrigirem o que não está bom e aperfeiçoarem o que já fazem bem, poderão produzir avanços consideráveis na média dos trabalhos feitos nos clubes brasileiros. E Renato, Scolari, Mano e mais alguns continuam aptos a conduzir seus times a grandes resultados e conquistas. Sampaoli e Jorge Jesus não vêm para salvar ou revolucionar o futebol brasileiro, mas, por serem bons profissionais e terem experiências importantes em suas carreiras, trazem ideias e conceitos que podem servir como boas referências para os técnicos e jogadores que estão no começo da jornada, além de ajudarem a esvaziar o balão da reserva de mercado. E a colaboração é até mais relevante por ser posta à disposição de uma escola de futebol que não está por ser feita, mas que precisa apenas reencontrar a si mesma.

Campo Livre