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Antero Greco: Tite, libere o drible na seleção!

Tite, durante partida entre Brasil e Venezuela - Pedro Martins / MoWA Press
Tite, durante partida entre Brasil e Venezuela Imagem: Pedro Martins / MoWA Press
Antero Greco

21/06/2019 12h35

Em geral, começo um texto pelo título; é uma tática de clarear o raciocínio e tornar a escrita mais fluente. Faço isso há muitos anos, e dá certo. O tema fica bem definido na mente.

Mas admito que ao batucar o desta crônica num primeiro momento me deparei com três opções. A primeira era "É proibido driblar na seleção?". A segunda: "É proibido driblar na seleção" (sem interrogação). A terceira: "Tite, libere o drible na seleção!". Essa foi a escolhida, por ser direta, incisiva e traduzir a angústia que dá de ver o time travado.

Pois é isso, pessoal: a cada jogo da seleção, fico com a sensação incômoda de que os jogadores estão proibidos de driblar. Gesto tão espontâneo e que fez a fama dos nossos boleiros mundo afora caminha para a extinção. Ir pra cima do adversário, com ginga e para enganá-lo, parece fora de moda. Ou, pior: um pecado, uma transgressão passível de punição severa.

Vários jogadores chamados pelo Tite para a Copa América brilham em seus respectivos times, na Europa, por causa da ousadia, da criatividade, da confiança de botarem marcador na roda. Basta vestirem a amarelinha para travarem e se tornarem burocratas da bola. Uma transformação assustadora e que está virando rotineira.

Nas duas rodadas iniciais da Copa América quantas vezes você viu o David Neres entortar zagueiros como no Ajax? E o Richarlison fez algum desavisado cair sentado, depois de um "come"? Idem o Gabriel Jesus ou o Firmino? O Arthur tentou enfileirar inimigos? O Coutinho balançou o corpo pra cá e pra lá para desconjuntar defesas? Nadica. Ou, para não ser injusto, houve casos esporádicos - aliás, os que proporcionaram raros lances de importância no torneio.

O que mais se repetiu, até agora, foram a troca de passes e as jogadas curtas, de ladinho, na base do um-dois, como nos treinos. Tudo protocolar e dentro do figurino. Assim, as estatísticas inflam (a posse de bola do Brasil é altíssima). porém não resulta em jogadas perigosas, em chutes a gol, em bolas na rede. Em resumo: em divertimento e emoção, que é o que se busca no futebol.

O domínio é para inglês ver, ou para dar sono em quem assiste pela tv ou para provocar vaias no estádio. Ou tudo isso tudo junto. Os adversários já se deram conta da previsibilidade e, após aguentarem alguns minutos de pressão maior, em seguida se sentem à vontade para marcar e até para os contragolpes. Aconteceu isso no primeiro tempo com a Bolívia (derrotada com custo na etapa final) e no empate com a Venezuela. Fácil segurar o Brasil.

Só quando Everton Cebolinha entra é que a monotonia diminui. O atacante do Grêmio bagunça o coreto - e não por acaso tem sido o mais aplaudido da tropa. O público não é bobo e passa o recado para o treinador a respeito do que espera ao prestigiar a seleção. Em São Paulo, houve silêncio e vaias. Em Salvador, houve incentivo e... vaias ao final.

Não sou insano de dizer que Tite veta expressamente seus pupilos de apelarem para o drible como arma para derrubar sistemas defensivos. Ele não é doido, e em entrevistas fala justamente o contrário: que quer imaginação como parte integrante da estratégia.

Por que, então, isso não acontece na prática? Eis o xis da questão, difícil de decifrar. Talvez a postura do Tite iniba os rapazes. Ora, você pode argumentar, ele não é tirano, linha-dura ou autoritário. Não maltrata os jogadores, não xinga, não dá ensaboadas públicas. Também não tem perfil de traíra, que entrega cabeças ao menor sintoma de crise.

Concordo, Tite tem jeito de boa gente. No entanto, a linguagem sofisticada, o tom de pastor nas entrevistas, o estilo certinho se refletem no comportamento (e no desempenho) dos jogadores: tudo quadrado, marcado, delimitado. Até as substituições são as previstas no roteiro. Certamente sem se dar conta, assim transforma um grupo heterogêneo em um bloco único de discípulos. Ninguém sai fora da linha.

Não falo de indisciplina. Fora da linha, pra mim, significa ter iniciativa, chamar pra si "responsa" na hora em que a parada está complicada, botar a bola embaixo do braço, quebrar o script. Isso embute riscos - e não sinto que os atletas sejam incentivados a romper a normalidade. Ninguém quer errar; então, o mais seguro é fazer o feijão com arroz habitual.

Em vez de o Tite falar em jogadores terminais, agudeza no último terço do campo, atacantes pelo centro, contundência, efetividade, meritocracia e termos do gênero, deveria ir logo para o simples e direto: "Vai pra cima do zagueiro!", "Chuta pro gol!", "Aperta os caras!", "Vamos morder!" Essas coisas que todo mundo que joga bola ouve desde sempre. Linguajar de boleiro, não de acadêmico.

Que todos se soltem, a começar pelo chefe da companhia. Taí: a seleção precisa de alegria e espontaneidade que façam brotar dribles, jogadas bonitas, show. E gols!

Os gringos não gastam dinheiro à toa com nossos jogadores; se investem alto neles é por conhecerem a capacidade que têm de improvisar, de desatar nós com picardia, malícia e leveza.

Então, vamos liberar o drible, Tite! Não nos faça dormir em jogos da seleção!

Em português do povão: Tite, libere o "dibre"! A seleção encantava e vencia mais, quando jogadores pronunciavam errado essa palavrinha britânica, mas a aplicavam à perfeição com a bola nos pés.

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