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Antero Greco - Brasil: procura-se um monstro da bola

Mateus Bonomi/AGIF
Imagem: Mateus Bonomi/AGIF
Antero Greco

07/06/2019 00h00

Dias atrás, escrevi que Neymar teria três grandes oportunidades para cravar o nome na lista de jogadores fundamentais na história da seleção: Copa América, Eliminatórias e Mundial de 2022. A primeira foi para o espaço, com a contusão no tornozelo, no amistoso com o Catar. Como consequência negativa adicional, cai quase a zero a chance de ser reconhecido como craque da Fifa de 2019.

O infortúnio não é desastre irreparável para o astro. Por vias tortas, serve-lhe como forma de sair um pouco de cena, no momento em que vive o episódio mais constrangedor da carreira, já que é acusado de estupro. Caso delicado, que deixará marcas na vida dos dois jovens nele envolvidos. Nenhum sairá ileso, independentemente da decisão da Justiça.

A seleção, por tabela, fica sem a referência técnica de seu principal jogador. A presença de Neymar não seria garantia de conquista; aliás, a trajetória dele com a "amarelinha" não um fenômeno. Acima de média, porém nada além disso. No entanto, não há penca de craques, na geração atual à disposição de Tite, para que se possa menosprezar essa baixa de última hora.

Eis ponto para reflexão. A seleção sempre contou ao menos com um grande atleta em aventuras famosas, sejam em campanhas vitoriosas ou em decepções profundas. Para ficar em exemplos puxados pela memória, nos Mundiais de 58 e 70 teve em Pelé o símbolo maior; em 62, Garrincha foi a estrela, assim como Romário em 94.

Tem mais: Rivaldo e Ronaldo na campanha do penta, em 2002. Essa mesma dupla havia levado o Brasil à final em 1998, aquela perdida para a França de Zidane. Até na tristeza de 1982, Falcão, Sócrates e Zico se mostraram gigantes e voltaram valorizados da Espanha.

Claro que, em todas essas ocasiões, os destaques estavam rodeados de artistas da bola. Gilmar, Zito, Didi, Vavá em 58 e em 62; Gerson, Carlos Alberto, Tostão em 70; Taffarel, Bebeto, Mazinho em 94; Ronaldinho, Roberto Carlos, Marcos em 2002 e por aí vai...

Não quero dizer que o craque ganhou sozinho - isso não aconteceu nem com Maradona em 86, no México. Mas é imprescindível ter quem decida. Toda seleção vencedora teve alguém que ficou num patamar superior aos demais, ressalvada sempre a importância do conjunto. Zidane em 98, Beckenbauer em 74, Xavi e Iniesta em 2010, Paolo Rossi em 82. A lista é longa...

O Brasil não tem esse personagem forte, mítico, aglutinador. Não é de agora. Para ser rigoroso, está em falta desde o campeonato disputado na Coreia e no Japão. Lembram de 2006? Havia feras em abundância, com os próprios Cafu, Roberto Carlos, Kaká, Adriano, Ronaldo, Ronaldinho... Porém, nenhum deles chamou o protagonismo para si. Caímos diante da França de Zidane, mais uma vez.

Em 2010, Dunga levou uma turma de bem comportados profissionais para a África do Sul, soldadinhos que se viram desconcertados diante da Holanda. Quatro anos depois, Felipão apostou num elenco mediano e no Neymar em ascensão. E vieram os 7 a 1... Em 2018, Tite repetiu o roteiro, jogou as fichas em Neymar e... volta para casa com a derrota para a Bélgica.

Não tivemos "O" jogador, não temos a peça-chave há década e meia. Para uma escola com fama (justa) de produzir foras de série em abundância, é tempo demais a falta de um supercraque. O pessoal que está agora com Tite é bom; não tem nenhum perna de pau. Só não tem o cara, o sujeito temido pelos adversários. Seria Neymar, e olhe lá. Ele é ótimo, mas nem de longe desperta o temor que Pelé, Romário, Ronaldo, Ronaldinho impunham.

Deixo à parte discussões sobre esquema de jogo ou a respeito do futebol que praticamos; essas ficarão para outra ocasião, embora cruciais para entendermos por que o Brasil não encanta. A constatação óbvia é: nos falta o grande ídolo, o "monstro" dos gramados, o meia ou atacante carismático e definidor. Neymar foi o bola da vez, nesta década, e não vingou.

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