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Sistema de corrupção favorece os poderosos do esporte

Bernard Rajzman, chefe da missão olímpica do Brasil, durante cerimônia de hasteamento da bandeira na Vila Olímpica - Hannah Johnston/Getty Images
Bernard Rajzman, chefe da missão olímpica do Brasil, durante cerimônia de hasteamento da bandeira na Vila Olímpica Imagem: Hannah Johnston/Getty Images
José Cruz

07/03/2019 04h00

Para quem tem dúvidas, a corrupção no esporte ocorre de várias formas, como um sistema que opera para favorecer os poderosos. Nas últimas décadas, muitos desvios de grana ocorriam quando gente do extinto Ministério do Esporte ignorava prestações de contas fraudadas do dinheiro liberado. Ou aprovava "relatórios de mentirinha", como se a grana tivesse sido aplicada para o fim proposto.

Em outros casos, superfaturavam compras de equipamentos. Nos Jogos Pan-Americanos 2007 e Olimpíadas 2016, por exemplo, o Tribunal de Contas da União identificou faturas pagas em dobro! E até faturas que foram pagas por serviços sequer prestados. Se mexerem nesse passado...

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Há um caso, que já narrei no UOL, mas vale repetir, pois demonstra como o "sistema" é real e poderoso. Foi entre 1994 e 1997, período em que Ary Graça sucedeu a Carlos Arthur Nuzman na presidência da Confederação Brasileira de Vôlei.

Em 1995, a Confederação de Vôlei recebeu o equivalente a US$ 3,5 milhões do patrocinador Banco do Brasil para realizar 34 etapas do Circuito de Vôlei de Praia, divididas entre categorias masculina e feminina. Mas, diferentemente do que aconteceu no ano anterior, só dez etapas de cada foram realizadas, apesar com todo o valor tendo sido absorvido para o circuito. O então deputado federal Augusto Carvalho quis saber: onde foi parar a grana das 14 etapas não realizadas? O surpreendente resultado está em detalhes na Decisão 855/1997, do Tribunal, de Contas da União. Em resumo, foi o seguinte:

Fernando Gonçalves, o então ministro-relator desse processo, no TCU, adoeceu e foi substituído por Lincoln Magalhães da Rocha que, também se afastou do caso por motivo de saúde. Em sorteio, a relatoria foi para o ministro Adhemar Ghizi, casualmente, sogro do ex-craque do vôlei, Bernard Rajzman, criador do saque "jornada nas estrelas", amigo e braço direito de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente da Confederação de Vôlei e do COB e, claro, íntimo de Ary Graça.

O relatório do ministro Ghizi não deixou Bernard mal diante dos amigos. Depois de vasta argumentação, demonstrando pouca importância com o ocorrido, ele escreveu:

"(...) o cerne das questões suscitadas pelo deputado Augusto Carvalho escapa à competência desta Corte (TCU), uma vez que não nos cabe fiscalizar o funcionamento da Confederação Brasileira de Vôlei."

Mas a questão é que o Banco do Brasil foi ludibriado na exposição de sua marca, já que pagou por 17 etapas masculinas e femininas do circuito e não apenas dez. 

E disse mais o senhor Ghizi: "Na verdade, sendo tais verbas recebidas pela CBV a título de pagamento de contrato, não tem este Tribunal qualquer poder fiscalizatório em relação à utilização futura das verbas".

Com esse argumento, o parecer foi aprovado e o assunto, encerrado. E ninguém ficou sabendo onde foi parar a grana das 14 etapas não realizadas. Nesse caso, o "sistema" foi influenciado pelo vínculo familiar. 

O "sistema" que esconde a corrupção, em geral, é interligado entre os poderes da República, independentemente de partido ou de quem esteja no governo. O sistema se mantém nas transições e nele agem amigos, políticos, parentes, clientes, lobistas, servidores, especialistas em transporte de malas etc. A troca de favores e o tráfico de influência seguem a cartilha de São Francisco: "É dando que se recebe".

Por isso, não seria exagero plagiar o presidente da República e dar nova ordem ao credo: "Deus acima de todos e o Sistema acima de tudo". 

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