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Bala na Cesta

Seleção evoluiu com Neto, mas estrutura e estratégia ainda são problemas

José Neto - Alexandre Loureiro/COB
José Neto Imagem: Alexandre Loureiro/COB

11/02/2020 00h23

Você leu aqui no domingo e também ontem textos sobre a eliminação do basquete feminino da Olimpíada de Tóquio, algo que não acontecia desde 1992, quando as meninas enfileiraram participações seguidas e quase sempre com boa dose de brilho. O cenário mudou, e algumas coisas precisam ser ditas:

1) Houve uma óbvia e salutar melhora com José Neto sendo o técnico da equipe nacional desde maio de 2019. Não faz um ano e o sarrafo subiu. E muito. O time ganhou em intensidade, em velocidade, na defesa, em arsenal ofensivo e também em personalidade, algo que vinha faltando. Está LONGE de ser um grande time. Está LONGE de ser um time confiável, mas a melhora é visível, sim. Se a Austrália não é mais o time de Lauren Jackson e de Penny Taylor que encantou o mundo no começo do século, é bem verdade que as australianas são o segundo país no ranking da FIBA - e o Brasil fez jogo de igual para igual contra elas no domingo. Pelo bem do basquete nacional Neto precisa ficar e continuar o seu trabalho que, insisto, não completou nem um ano. A continuidade é importante, necessária e justa.

2) Escrevi isso no domingo no Twitter e repito aqui: Neto, infelizmente, não é milagreiro e precisa de estrutura por parte da Confederação Brasileira. A bola não entra por acaso e as cestas acontecem como reflexão da gestão, como reflexo de um trabalho bem feito, algo arquitetado, pensado e conjecturado de forma minuciosa por dirigentes. Neto é um grande técnico, fez um ótimo trabalho até aqui, mas de verdade o nosso material humano existente é médio - pra baixo. Apenas três jogadoras (Clarissa, Érika e Damiris) têm mercado internacional. As demais meninas, e mesmo com o calendário permitindo a saída para disputar em uma mesma temporada Liga de Basquete Feminino e torneios europeus, não são sequer cogitadas no mercado europeu, onde se pratica o melhor basquete e onde as habilidades são testadas dia após dia. Isso significa algo, não?

2.1) Todo mundo que acompanha este espaço sabe que o legado de Grego e Carlos Nunes, que "comandaram" a entidade máxima por 16 anos, é horrendo e que pagaremos uma conta caríssima pelos próximos anos devido a isso, mas a gestão de Guy Peixoto está completando 3 anos nos próximos dias e eu ainda não consegui ver (já escrevi isso também) um planejamento estratégico não só para as meninas, mas para a modalidade como um todo. Para o feminino é mais grave porque é o lado que mais pede socorro há tempos - e nada é feito de concreto. Vamos continuar esperando por gênios (Paula, Hortência, Janeth, Alessandra etc.), ou vamos começar a trabalhar de forma a termos 7, 8 jogadoras ótimas ao mesmo para bater de frente com as maiores potências do planeta? Se a segunda opção for a escolhida, só resta uma alternativa: trabalhar alucinadamente. E com um plano de voo muito bem traçado. Temos isso? Eu não consigo visualizar, infelizmente.

3) Insisto nesse ponto: Guy é bem intencionado, um cara com condição de vida totalmente resolvida, não precisando do basquete para nada, sei que as torneiras financeiras da CBB estão mais secas que as do deserto e que o hiato causado pela suspensão após a Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016 ainda são sentidos, mas algo precisa ser feito. O redemoinho de "estou sem dinheiro, logo não faço nada" pode ser combatido com organização, fluxo para geração de receita, planejamento, organização e persistência. Ao contrário do que a entidade pensa, e desculpe dizer isso, o ciclo para Paris-2024 já acabou. Não dá mais tempo, viu. Quem já está atuando no adulto é quem vai tentar empunhar a bandeira da seleção até as Olimpíadas de daqui a quatro anos. Quem ainda não tem 18 anos, só depois. Agora é lutar para 2028 ou, de forma mais realista, 2032. Só que é preciso começar agora. Como estamos fazendo o desenvolvimento dessas jovens atletas? Com quem professores? Com que monitoramento? Com que aperfeiçoamento?

4) Este mesmo tipo de texto é escrito aqui, e basicamente só aqui, há anos sem nenhuma mudança de panorama. É óbvio que eu não esperava que de Grego e Nunes saísse algo. De Guy Peixoto e de seu time eu ainda espero. Que eles chamem Hortência, Paula, Alessandra, Janeth, Maria Helena, entre outras, para conversar, fazer um simpósio, sei lá, e saiam com um planejamento estratégico para oito, 12 anos do basquete feminino brasileiro. Ninguém aguenta mais esperar, de verdade.

O basquete feminino está no fundo do poço. A grande vantagem é que de onde está é difícil piorar. Fora das últimas edições de Mundial e Olimpíada, a tendência, agora, é ou a estagnação no mais baixo grau de sua história ou a melhora. Torçamos pela segunda opção.