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André Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rocha: Nada mais "démodé" que pedir convocação de jogador atuando no Brasil

Hulk comemora gol do Atlético-MG contra o River Plate pela Libertadores - Fernando Moreno/AGIF
Hulk comemora gol do Atlético-MG contra o River Plate pela Libertadores Imagem: Fernando Moreno/AGIF

Colunista do UOL Esporte

25/08/2021 06h35

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A cultura de formadores de opinião pedindo convocação de jogadores que se destacam nos times brasileiros vem de longe.

De Nelson Rodrigues, passando por João Saldanha, o "Canhota" Gerson e hoje, com Casagrande sendo o mais simbólico nesta prática. Isso falando de ícones com enorme visibilidade, capazes de influenciar a opinião pública e, às vezes, os próprios treinadores da seleção brasileira.

Havia também os radialistas, nos tempos em que o veículo era bem mais poderoso. Movidos pela convicção e pelo entusiasmo com o jogador elogiado, mas também, em muitas ocasiões, por interesses mais ou menos nobres - como ter preferências nas entrevistas dentro da própria seleção ou até receber uma "comissão" se o atleta conseguisse um aumento de salário do clube em função da própria convocação, casos que já foram relatados em "off" por profissionais da época para este colunista.

Tempos de menor êxodo, sem a Lei Bosman e outras mudanças que faziam com que jogadores no auge ainda atuassem por aqui. Hoje, na grande maioria, os destaques no Brasil são jovens ainda em afirmação, aqueles que bateram na Europa e voltaram e os que retornam ao país para encerrarem suas carreiras.

Por isso Tite chama a maioria que atua lá fora, nas principais ligas. A lógica é simples: se os ciclos na seleção só são considerados bem-sucedidos quando terminam com o título mundial, o trabalho de quatro anos objetiva, no limite, os jogos eliminatórios da Copa: oitavas, quartas, semifinal e final. Quatro partidas.

Desde 2002, os grandes obstáculos são as seleções europeias dentro de um "top 5" do momento: em 2006 e 2010, derrotas nas quartas para as finalistas França e Holanda. Em 2014, no Brasil, os 7 a 1 para a campeã Alemanha na semifinal e, na última, o revés para a Bélgica, com seleção talentosa e que, mesmo sem conquistas, está na "elite", com direito à liderança no ranking da FIFA.

Para encarar o melhor do principal centro futebolístico do planeta, é preciso colocar no radar, como parâmetro mais seguro, jogadores que enfrentam semanalmente, de preferência em duelos eliminatórios em Champions League, os craques dos principais concorrentes.

Como Paquetá e Gerson, que agora vão cruzar com Lionel Messi na Ligue 1. Ou Fred, que encara De Bruyne e joga ao lado de Pogba. O mesmo valendo para Richarlison, Firmino, Gabriel Jesus...O que irrita muita gente no Brasil, que é o técnico passar a chamar com mais frequência o jogador depois que ele é negociado para um clube europeu, não passa da atitude mais racional.

Para o Brasil ficou reservada uma espécie de "cota". Destaques dos principais times que quase sempre são reservas, mas dentro de uma tentativa de cativar o torcedor clubista que só se "identifica" com o time canarinho se estiver lá o atleta do seu time de coração. E isso se o fã não desprezar totalmente a seleção, com raiva porque o jogador desfalca o clube nas datas FIFA que quase nunca são respeitadas pela CBF.

Por isso soa cada vez mais antiquado e anacrônico os pedidos por jogadores dos times brasileiros na seleção. Foi-se o tempo de discussões de bar entre torcedores sobre o desempenho dos ídolos locais com a camisa verde e amarela. Agora, tudo que eles esperam é que não voltem lesionados.

Sim, esse movimento é consequência também das bolhas de clubes na internet, cada vez maiores, com influenciadores e as próprias TVs das agremiações produzindo conteúdo suficiente para ocupar todo tempo livre do torcedor, que não acompanha mais nada de fora. Como quando as informações vinham dos programas esportivos de TV aberta ou fechada e era preciso esperar e, consequentemente, se informar sobre os rivais. Agora, se quiser, o fanático pode respirar 24h o time de coração.

Seleção? Que convoque os lá de fora e deixem o nosso futebol em paz. Ou na guerra diária de não ser massacrado pela CBF. Punindo os mais competentes, que montam times fortes. Os que repatriam Gabigol, Dudu e Hulk, que, por motivos diversos, nem deveriam ser lembrados por Tite.

Consequentemente, que Casagrande elogiasse sem falar em convocação. Questão de bom senso. Os tempos mudaram e os parâmetros, também. Virou "démodé".

[Em tempo: sobre o anúncio de que as ligas inglesa e espanhola não pretendem ceder seus jogadores na data FIFA às seleções de países que fazem parte da lista vermelha em relação à Covid, este que escreve não crê em maiores consequências. Deve ser mais do mesmo: a FIFA ameaça e os clubes recuam. Infelizmente. Se for diferente desta vez, ótimo. Já passou da hora das agremiações mais poderosas afrontarem as federações com algo mais plausível que a bizarra tentativa de criar uma Superliga.]