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André Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Palmeiras x São Paulo é mais uma final das "bolhas" de expectativa e medo

Gabriel Sara, do São Paulo, e Felipe Melo, do Palmeiras, disputam bola pela final do Paulistão 2021 - Marcello Zambrana/AGIF
Gabriel Sara, do São Paulo, e Felipe Melo, do Palmeiras, disputam bola pela final do Paulistão 2021 Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Colunista do UOL Esporte

21/05/2021 08h46

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Decisões sempre foram tensas, criaram heróis e vilões e quase invariavelmente apresentam nível técnico inferior à média dos times envolvidos. Sem contar que, no Brasil, o torcedor se importa mais com seu time do que aprecia o futebol jogado.

Mas na era das bolhas virtuais tudo ficou mais intenso, radical e público. Imagine se em 1986 a torcida do Palmeiras pudesse mandar comentários para uma postagem do lateral Denis, que falhou na decisão estadual contra a Internacional de Limeira, esperança para encerrar um jejum de títulos de dez anos que chegaria a 17. Ou em 1990 os são-paulinos tivessem como expressar publicamente a revolta por perder as duas finais para um limitado Corinthians no Brasileiro. Com Raí em campo e Telê Santana no comando técnico.

O "ninguém quer ser Barbosa" da Copa de 2014, com os brasileiros em pânico pelo medo de errar num Mundial em casa e ficar estigmatizado como o goleiro da seleção de 1950, passou para os clubes, em qualquer decisão que gere muito expectativa. Quase sempre ela fica proporcional ao temor do fracasso.

O Paulista de 2021 não tem a relevância de outros tempos, mas este carrega um contexto diferente. O São Paulo viu no torneio a chance de ganhar um título, erguer o troféu e ganhar um pouco de paz ao encerrar duro período sem conquistas de quase nove anos. Para isso poupou titulares na Libertadores contra Rentistas e Racing.

Já o Palmeiras vê o bicampeonato como resposta às críticas depois dos reveses na Supercopa do Brasil e na Recopa Sul-Americana e de uma campanha irregular na primeira fase em função das temporadas emendadas, praticamente sem férias e treinos. A boa campanha na fase de grupos da Libertadores, com classificação e primeiro lugar antecipados, possibilitou o descanso de titulares contra o Defensa y Justicia.

Tudo isso aumentou a temperatura da primeira partida, no Allianz Parque. Times mais preocupados em não errar do que com o jogo em si. Hernán Crespo e Abel Ferreira, protagonistas da primeira decisão entre estrangeiros em São Paulo, não queriam ser surpreendidos na estratégia.

Sem Luciano, o treinador argentino tentou fazer com que sua equipe chegasse em bloco trabalhando a bola, com mobilidade de Gabriel Sara e Benítez se aproximando de Pablo para desarticular o sistema com três zagueiros e mais Felipe Melo na proteção. Daniel Alves como ala articulador, mais por dentro, atrairia o ala Victor Luis e deixaria um espaço para infiltração pela direita.

Mas o São Paulo não tinha profundidade. Paradoxalmente, só melhorou neste aspecto quando Daniel Alves saiu lesionado para a entrada de Igor Vinícius. Também ganhou mais presença de área com Igor Gomes na vaga de Benítez, também contundido. O meia substituto cabeceou com perigo no segundo tempo. A chance mais clara do tricolor, junto com o chute de Sara na trave nos últimos minutos. A equipe, porém, perdeu técnica e experiência com as mudanças.

Melhor para o Palmeiras, que jogou na dele. Circulando a bola à espera de espaços. Ou do erro do oponente, induzido pelo encaixe na marcação da saída de bola: Rony e Luiz Adriano pegavam Arboleda e Léo, Raphael Veiga e Patrick de Paula acompanhavam Luan e Liziero. Os alas batiam entre si e sobrava Miranda, zagueiro centralizado que não tem como principal característica o passe longo, nem a condução de bola.

Miranda errou um passe, Raphael Veiga respondeu com finalização. Na imprecisão de Benítez, a rápida transição ofensiva que entregou a melhor chance do jogo: de Rony para Luiz Adriano e chute para boa defesa de Tiago Volpi. É impressionante como mesmo com conquistas recentes e capacidade de investimento, o Palmeiras nunca tenta se impor como protagonista. Nenhum pudor de recuar as linhas e aproveitar os erros dos adversários.

Sabendo disso, o São Paulo arriscou pouco. O saldo final foi de 54% de posse do Palmeiras. 91% a 88% no acerto de passes que dariam uma sensação de alto nível técnico, mas foram apenas consequência da insistência em toques simples, sem tentar o passe mais difícil, que fura as linhas de marcação. 11 finalizações para cada lado, duas do Palmeiras no alvo contra cinco são-paulinas.

O empate sem gols leva a decisão para o Morumbi. Mais pressão e medo. Nas bolhas dos clubes, uma tensão descomunal, pronta para descarregar em engajamento nas redes em caso de título ou no ódio a quem for responsabilizado pela derrota, com humilhação, perseguição e até ameaças à integridade física. Pressão maior no São Paulo, pelo contexto.

O cenário do ano passado pode se repetir, com tudo se resolvendo nos pênaltis depois de 180 minutos decepcionantes. Mas quem se importa? Os times não se preocupam mais em se apresentar para o público em geral, como acontecia antes nas transmissões em TV aberta para todo Brasil.

Agora o que importa é a "segunda tela", na internet. Lá o que vale é vencer para gerar memes zoando o rival. A qualidade do jogo pesa quase nada, ou só gera críticas dos outros torcedores que são solenemente ignoradas ou tratadas como "inveja". Vale cada vez mais o insuportável "final não se joga, se vence". Vejamos quem sai vivo desse massacre no domingo.

(Estatísticas: Footstats)