Topo

André Rocha

Flamengo insiste em "descansar" nos jogos e paga sofrendo gols

Willian Arão em ação pelo Flamengo contra o Athletico-PR - Jorge Rodrigues/AGIF
Willian Arão em ação pelo Flamengo contra o Athletico-PR Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

Colunista do UOL Esporte

05/11/2020 08h47

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na Europa, o calendário anda mais insano para compensar a pausa por conta da pandemia que agora ataca em uma "segunda onda". Mas mesmo em tempos mais tranquilos, a maioria dos times usava as copas nacionais para rodar elenco, poupar os mais desgastados e fazer experiências com jovens da base. Isso num cenário de clubes parados para as datas FIFA...

Domènec Torrent vem dessa cultura e certamente arriscaria repetir o Flamengo cheio de reservas do jogo contra o Junior Barranquilla pela Libertadores, com a equipe já classificada só precisando garantir o primeiro lugar do grupo, na partida de volta contra o Athletico no Maracanã pela Copa do Brasil. Com a vitória na ida por 1 a 0 na Arena da Baixada seria até possível administrar a vantagem conquistada.

Só que o contexto do atual campeão brasileiro e sul-americano é muito particular. Além do clube precisar muito das premiações a cada classificação no mata-mata nacional para garantir a manutenção do elenco mais caro do país, há uma torcida histérica nas redes sociais que acha que o time tem que ganhar todos os jogos e títulos. De preferência com espetáculo, mesmo sem tempo para treinar e vários jogadores lesionados.

Depois da goleada sofrida para o São Paulo no domingo, uma eventual eliminação para o time paranaense poderia até custar o emprego do catalão. Ainda mais com uma coletiva do vice-presidente de futebol Marcos Braz agendada para esta quinta-feira. Para não se colocar de vez no fio da navalha, Domènec mexeu pouco no time. Mudou a zaga que falhou muito no fim de semana, deixou o desgastado Isla no banco e retornou com os suspensos Willian Arão e Thiago Maia.

A solução encontrada para administrar o fôlego, inclusive pensando no jogo importante pelo Brasileiro contra o Atlético no Mineirão e vislumbrando as quartas-de-final do torneio já na semana que vem e sem os convocados por seleções na data FIFA, foi a mesma das últimas partidas: "descansar" durante os jogos. Ou seja, dosar as energias, tentar desacelerar em alguns períodos para castigar menos fisicamente.

Difícil saber se é planejado ou instintivo, mas é algo que vem acontecendo há muito tempo. Talvez desde o surto de covid e a vitória em Guayaquil sobre o Barcelona por 2 a 1 pela Libertadores. O Flamengo acelera no início para compensar no final ou vice-versa. Em várias partidas um primeiro tempo lento e mais dinâmica na segunda etapa.

No Maracanã contra um Athletico desfigurado e mais focado na recuperação para fugir do Z-4 no Brasileiro, um Flamengo mais ativo no primeiro tempo. Acelerando novamente os ataques pela direita com Everton Ribeiro articulando por dentro e deixando o corredor aberto para o lateral descer. Desta vez, Matheuzinho, que prefere apoiar mais por dentro, fez a leitura correta e repetiu em vários momentos o ataque aos espaços em busca da linha de fundo de Isla.

Assim saíram os dois gols de Pedro, o primeiro em linda finalização, que pareciam encaminhar uma classificação tranquila. Houve o susto no pênalti inexistente de Léo Pereira em Carlos Eduardo marcado pelo árbitro e depois bem anulado com auxílio do VAR, mas a atuação era relativamente segura.

Então veio a desconcentração. Proibitiva em tempos de perde-pressiona, disputa intensa em cada metro do gramado e, no caso do Flamengo, adversários jogando a vida contra o "time da moda" no Brasil. O Athletico sofria com seus próprios problemas e a qualidade do oponente, mas nunca deixou de competir. Não há como, o jogador está condicionado e ainda há a motivação de aparecer contra um "canhão" de visibilidade, clube que gera audiência na TV e engajamento em redes sociais. Contra e a favor.

Arão dispersou em uma transição ofensiva e errou passe para Gerson na entrada da área. Bola no pé de Erick, que marcou belo gol encobrindo Hugo Souza. Na primeira finalização atleticana aos 40 minutos. Mas antes houve vacilos de Thiago Maia e do próprio Hugo, esta salva por uma falta no goleiro que não existiu.

Antes a dinâmica do jogo permitia "desligar" um pouco, agora não mais. E o segundo tempo foi na mesma toada, mas com o Athletico naturalmente atacando em busca do milagre. Dome desfez o 4-3-3 do primeiro tempo e liberou de vez Thiago Maia como um meia atrás de Pedro, ou um novo "dublê" para o sentido desfalque de Arrascaeta. O meio-campista até fez um golaço, anulado por impedimento.

De Isla, que entrou na vaga de Matheuzinho. Pensando no Galo, o treinador tirou Everton Ribeiro e Pedro e colocou Michael e Lincoln. Ambos entraram bem desta vez e participaram do terceiro gol. Passe do centroavante para Bruno Henrique, finalização e gol de Michael no rebote do goleiro Santos. Logo depois, mais trocas: Renê e Ramon nas vagas de Filipe Luís e Bruno Henrique.

O clima de classificação garantida desconcentrou Arão novamente. Outro vacilo do volante, Thuler não consertou e Guilherme Bissoli não perdoou. Para desespero do treinador, que soma 34 gols sofridos em 25 partidas sob seu comando. Mais dois "dados" em uma conta perigosa para quem tem a ambição de disputar todas as competições.

Eis o ponto. Seguir vivo em todos os campeonatos significa mais desgaste e menos tempo para treinar. Uma bola de neve que vai precisar de um adversário mais "acessível" nas quartas da Copa do Brasil, como América ou Cuiabá, e de um rodízio maior no Brasileiro. Para isso é urgente esvaziar o Departamento Médico e contar com mais peças.

Quanto aos problemas defensivos, não tem jeito: é apagar incêndio jogo a jogo, já que não se treina. Bom lembrar que em 2019, Jorge Jesus teve em setembro um mês "mágico": quatro semanas seguidas de trabalho e partidas apenas no sábado ou domingo. Palmeiras, Avaí, Santos e Cruzeiro. Quatro vitórias, liderança consolidada no Brasileiro e tempo para ajustar os setores, inclusive a coordenação da defesa jogando adiantada. O time virou máquina e o resto é história. Mas tudo isso só foi possível graças à eliminação da Copa do Brasil. Indesejada, mas providencial para pavimentar o caminho de conquistas mais importantes.

Agora o Flamengo precisa, mas não quer refresco. Terá que fazer escolhas a cada semana. Se insistir em "descansar" durante os jogos deve seguir pagando com gols sofridos. Resta compensar com a força do ataque mais positivo do Brasileiro que (ainda) espera por Gabigol.