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André Rocha

Tite deveria convocar só os "estrangeiros". Evitaria um absurdo na coletiva

Tite durante convocação da seleção brasileira - Lucas Figueiredo/CBF
Tite durante convocação da seleção brasileira Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Colunista do UOL Esporte

24/10/2020 01h52

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Tite divulgou a lista de convocados para os jogos contra Venezuela e Uruguai em novembro. Entre as novidades, Vinicius Júnior é boa notícia, embora não seja exatamente o jogador para se encaixar na função de ponta driblador pela direita que ainda falta ao time canarinho. O atacante do Real Madrid funciona melhor do lado oposto, mas vale pela oportunidade dada a quem vem trabalhando para evoluir em alto nível na Europa.

Este, aliás, deveria ser o critério mais importante na hora do treinador da seleção brasileira fazer suas escolhas. Quem compete com os melhores, nas principais ligas do planeta, deveria ter prioridade sempre. Pelo costume de enfrentar as grandes estrelas dos outros países e entender a intensidade e a dedicação tática necessárias para isso.

Também porque convocar jogadores atuando no Brasil não faz o mínimo sentido e só pode ser explicado como uma espécie de "cota" para forçar uma ligação do torcedor com a seleção. Populismo mesmo, escancarado. Como se isso fosse necessário de fato.

Muitos torcedores nutrem, na internet e quando era possível haver discussão de bar com responsabilidade, um saudosismo pela seleção de 2006, por conta da reunião de craques. Quando venceu a Argentina na final da Copa das Confederações 2005 e, em seguida, goleou o Chile em Brasília, houve fogos e festas em várias ruas do Brasil. Um clima de euforia que lembrou 1982.

Alguma estrela atuava no Brasil? Ronaldinho no Barcelona, Kaká no Milan, Robinho. Ronaldo e Roberto Carlos no Real Madrid, Adriano na Internazionale. Nada disso impediu que houvesse identificação. Porque o torcedor espera resultados da seleção, de preferência com espetáculo.

Tite convocou Weverton e Gabriel Menino do Palmeiras e Rodrigo Caio e Everton Ribeiro do Flamengo. Se os times passarem por Red Bull Bragantino e Athletico, respectivamente, na Copa do Brasil, os quatro jogadores perderão os jogos de ida pelas quartas de final do torneio nacional.

Nenhum deles deve começar jogando as partidas pelas eliminatórias, até porque Alisson estará de volta à meta brasileira. Com exceção de Gabriel Menino, que tem potencial e lastro de evolução para atuar em um grande centro, nenhum dos outros reúne condições de contribuir com a seleção no objetivo principal do país cinco vezes campeão mundial: vencer a Copa em 2022, se ela acontecer mesmo.

É o único caso em que realmente vale a pena chamar. Como Neymar nos tempos de Santos e Gabriel Jesus no Palmeiras. Quando está claro que a permanência não será breve, que o potencial está acima da média do que se joga aqui. Fora isso é tempo perdido, simples assim.

Complexo de vira-latas? Não, apenas noção da realidade. Também coerência, porque é difícil entender como torcedores e colegas da imprensa são capazes de criticar o nível do futebol praticado no Brasil, se encantar com a Liga dos Campeões ou a Premier League, ser muito exigente com a seleção e achar, de verdade, que Tite deveria convocar Thiago Galhardo, Marinho, Keno e outros que não têm a mínima condição de entregar futebol competitivo lá na frente, no que mais importa: confrontos com as principais seleções europeias a partir das quartas-de-final da Copa do Mundo. É para isso que a seleção precisa se preparar desde as eliminatórias.

Tite convoca jogadores atuando no Brasil que desfalcam seus times nas datas FIFA por conta do calendário insano, inchado por estaduais, E aí temos o absurdo na coletiva do treinador na sede da CBF.

O Flamengo é campeão brasileiro e sul-americano. Fez e faz com frequência um esforço grande para manter seus principais jogadores, resistindo a sondagens, propostas, até assédios de clubes do exterior em tempos de real desvalorizado. Investimento para contar com time e elenco fortes no país e na América do Sul.

Tudo isso para ter jogadores convocados não só pela seleção brasileira, mas também chilena (Isla) e uruguaia (De Arrascaeta). Na última chamada perdeu dois jogadores por lesão que ainda não retornaram ao time. Deixaram o clube que paga os salários em perfeitas condições físicas e voltaram "avariados".

Pois uma das perguntas a Tite foi questionando se, pelo fato de não convocar mais jogadores do time rubro-negro, como Pedro e Bruno Henrique, o treinador não estaria beneficiando o clube. Ou seja, quem trabalha para ser o melhor merece ser punido pela CBF. A distorção de todos os parâmetros, a meritocracia virada do avesso. Tite respondeu que não, o critério é técnico. E está correto, não tem que convocar mesmo, há atletas em patamar superior na Europa.

Mas depois disso, se o futebol brasileiro fosse sério, um congresso deveria ser agendado para repensar tudo. Ou simplesmente fazer o mais simples e óbvio: convocar apenas os "estrangeiros", como fez André Jardine na seleção olímpica. Forçado pelas circunstâncias, obviamente. Porque a lógica passa longe da CBF.