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André Rocha

Bayern e City goleados. Não há mais "jogo-treino" em alto nível

Jamie Vardy celebra vitória do Leicester City sobre o Manchester City - Catherine Ivill/Reuters
Jamie Vardy celebra vitória do Leicester City sobre o Manchester City Imagem: Catherine Ivill/Reuters

Colunista do UOL Esporte

28/09/2020 10h22

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Bastou o Bayern de Munique enfiar 8 a 0 no Schalke 04 na abertura da Bundesliga para despertar, ainda na primeira rodada, o discurso de desequilíbrio da maioria das grandes ligas, como se times milionários vencessem no piloto automático, sem maiores esforços. Contratam os melhores e atropelam sem resistência.

O vício brasileiro de preferir o equilíbrio no baixo nível, a "ditadura" da emoção também nos pontos corridos. Jogos ruins, porém imprevisíveis. Quanto mais o pior surpreender o time mais qualificado, melhor.

Só esquecem que há muito trabalho de excelência envolvido. Bayern na Alemanha, Juventus na Itália, PSG na França, Barcelona e Real Madrid na Espanha e até mesmo Liverpool e City nas últimas temporadas da Premier League investem alto não só em elencos, mas também em profissionais de preparação física, medicina esportiva, nutrição e gestão, além de treinadores e auxiliares multidisciplinares, porque desejam obviamente o domínio nacional, mas principalmente pelo sonho de vencer, ou ao menos chegar o mais longe possível, na Liga dos Campeões.

Foi o nível do torneio continental que subiu muito o sarrafo na Europa. Mas com elencos fortíssimos e um trabalho pesado de análise de desempenho, além da valorização das ligas com cada jogo se transformando em um evento, clubes com marcas globais querem ganhar sempre e se preparam para isso.

Só que os "carros-chefes" acabam puxando o resto. E tem como efeito colateral um esforço maior dos oponentes para desafiar o todo poderoso. Com mais dinheiro circulando é possível investir em atletas e staff para entrar bem preparado. E se a competência do gigante não se unir à cultura de vitória que muitas vezes fazem os concorrentes projetarem a competição sem contar os pontos nos duelos com o favorito, a surpresa costuma vir.

Vieram neste fim de semana, na Alemanha e na Inglaterra. O Bayern foi goleado fora de casa pelo Hoffenheim por 4 a 1 e o Manchester City levou 5 a 2 do Leicester no Etihad Stadium. Em comum, o pecado mortal do futebol atual: diminuiram intensidade, baixaram a guarda.

O time bávaro pela disputa - em um início de temporada que já teve pouco tempo de preparação e o vencedor da Champions contou com um período ainda mais curto para descanso e treinamentos - da prorrogação em Budapeste na Supercopa da Europa contra o Sevilla.

Para colocar em prática o estilo "saque e voleio", com linhas tão adiantadas, é preciso colocar intensidade máxima. Faltou pernas ao octacampeão alemão que começou com Goretzka e Lewandowski no banco. E sentiu mais que nunca a ausência de Thiago Alcântara, que muitas vezes foi o contraponto para a equipe circular mais a bola e controlar o jogo um pouco pela posse. Produtiva, não os 72% de um time tática e estrategicamente dominado na partida.

No bate e volta sem pressão, o Hoffenheim, em um 3-4-3 agressivo armado por Sebastian Hoeness, sobrinho de Uli Hoeness, presidente honorário do Bayern, aproveitou a defesa exposta para finalizar 17 vezes, oito no alvo. Mesmo com apenas 28% de tempo com a bola, Dabbur e, principalmente, Kramarich exploraram bem os espaços que sobraram.

Em Manchester, o heroi improvável, embora não exatamente uma novidade, foi Jamie Vardy. 33 anos, que há quase cinco viveu um conto de fadas com a conquista inimaginável do Leicester City. Na época com Claudio Ranieri, agora em um trabalho que vai se consolidando no comando de Brendan Rodgers.

Cuidando um pouco melhor da bola, porém como visitante diante do time de Guardiola teve inteligência para esperar mais na execução de um 5-4-1 que lembrou muito o Chelsea de Antonio Conte, campeão inglês em 2016/17. Concentração defensiva e rápidas transições para explorar as fragilidades defensivas que parecem crônicas no City.

Mesmo com o enorme investimento em Walker, Stones, Laporte, Mendy, Cancelo, Garcia, Akê. Com problemas de sequência que obrigaram Guardiola até a adaptar Fernandinho na zaga. Mas no jogo especificamente erraram muito na abordagem aos adversários dentro da própria área.

Três pênaltis. Dois sobre Vardy, convertidos por ele, que chega a cinco na artilharia da atual edição do campeonato, seis contra o City e 22 em cobranças de pênalti na história da Premier League. O outro completando passe de Castagne. Mais um golaço de Maddison, que sofreu a última penalidade máxima, que Tielemans tirou do alcance de Ederson. Eficiência impressionante: em sete finalizações, todas no alvo, cinco nas redes. Com os mesmos 28% de posse do Hoffenheim.

Primeira vez que Guardiola sofre cinco gols em uma partida. Simbólico em um trabalho que dá sinais de desgaste. Guardiola tinha estipulado na carreira um limite de três temporadas por clube, porém em uma trajetória mais longa significaria rodagem demais. Na sua quinta temporada em Manchester, a obsessão pela perfeição pode estar pesando. Ou, mesmo com adaptações ao seu jogo de posição, o catalão pode ter perdido o "zeitgeist" do futebol atual.

Espírito que valoriza um ritmo vertiginoso, de pressão pós perda e definição rápida das jogadas. Para isso precisa deixar sempre o máximo em campo. Não há mais "jogo-treino" em alto nível. O ritmo do velho coletivo pode até aparecer eventualmente, mas como administração de vantagem no placar.

Mesmo nas ligas que parecem fáceis para os gigantes de orçamentos bilionários. Nos pontos corridos há tempo de sobra para Bayern e City se recuperarem e brigarem no topo. Mas quando vacilam é difícil obterem o perdão. As "zebras" entram com sangue nos olhos, até para capturarem um pouco da visibilidade de marcas globais.

Nunca foi só dinheiro, envolve também boas escolhas e práticas. Sem excelência não há imposição.

(Estatísticas: Whoscored.com)