Allan Simon

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ReportagemEsporte

Como a TV tornou Copa do Brasil 'mina de ouro' com prêmios cada vez maiores

A Copa do Brasil começa todos os anos com o mesmo destaque na mídia: quanto o campeão vai ganhar, e quando cada time (especialmente se for pequeno) vai receber ao passar de fase nos estágios iniciais da competição. Tudo isso graças principalmente ao contrato que a CBF tem com a Globo (que, por sua vez, tem a ajuda da Amazon para pagar a conta) pelos direitos de transmissão.

Em 2025, esses valores chegam a R$ 101 milhões na soma das fases para o time que for campeão, sendo R$ 77,1 milhões só pela vitória na final. Um time de menor investimento, e que não dispute nem a Série A ou a Série B do Brasileirão, já ganha R$ 830 mil só para disputar a primeira fase, e garante uma cota de mais R$ 1 milhão se conseguir a classificação.

Como isso se tornou uma realidade no futebol brasileiro, se a Copa do Brasil nasceu deficitária e problemática em 1989? A resposta está na própria mídia, na televisão. Mas também no modo como o produto foi se moldando para ela com o passar do tempo.

Copa do Brasil veio 'acalmar' federações

A Copa do Brasil não nasceu para ser um produto televisivo. A origem do torneio, em 1989, tinha como principal função aplacar os ânimos de federações estaduais que reclamavam da perda de espaço de seus clubes no Campeonato Brasileiro.

Durante muitos anos, entre 1971 e 1986, o Brasileirão contava com representação de todas as regiões em nome da famigerada "integração nacional", um discurso muito caro ao regime militar nos anos 1970. Tanto que nasceu aí uma frase marcante naqueles tempos: "onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional". A Arena era o partido político que dava sustentação à ditadura. "Onde vai bem, outro também", brincavam.

Em 1987, os principais clubes do futebol brasileiro se uniram para criar a Copa União, diante de um cenário no qual a CBF chegou a se dizer sem condições de organizar o Campeonato Brasileiro naquele ano, mas também de uma bagunça histórica provocada pelo inchaço político da competição.

Em 1971, no primeiro ano com o nome de "Campeonato Nacional de Clubes", a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) criou um torneio com 20 clubes e aproveitou o modelo do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, disputado até o ano anterior. Em 1972, já eram 26 clubes. O número saltou para 40 em 1973, 42 em 1975, 54 em 1976, 62 em 1977, 74 em 1978, até bater 94 em 1979.

A CBD virou CBF e reduziu para 44 times nos anos 1980. A Copa União teve apenas 16 clubes, e embora não tenha sido reconhecida como o título brasileiro, triunfou e virou a primeira divisão do Brasileirão em 1988, agora com 24 participantes. Nenhum da Região Norte. Apenas 4 do Nordeste, sendo dois da Bahia e dois de Pernambuco. Era claro que vários estados tinham ficado sem participar da disputa de um título nacional de elite. Foi para "corrigir" essa questão que a Copa do Brasil surgiu, inspirada nas copas nacionais europeias.

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Modelo era pouco atraente para a TV

A primeira edição da Copa do Brasil, em 1989, foi montada com 32 times. Todos os estados que tivessem futebol profissional participariam com o campeão estadual. Algumas UFs teriam direito a duas vagas, podendo levar os vices. Mesmo assim, o campeonato não agradou.

Tinha times como Grêmio, Internacional, Flamengo, Vasco, Corinthians, Atlético-MG, Cruzeiro, Bahia, Vitória, Sport e Náutico, valia vaga na Libertadores, antes destinada ao vice-campeão brasileiro. Mas foi colocada entre julho e setembro, entre estaduais e o Brasileirão. TV Globo e Band até compraram os direitos e exibiram essa primeira edição, vencida pelo Grêmio contra o Sport na decisão.

Em 1990, mesmo com o Flamengo na final contra o Goiás, a transmissão foi feita apenas pela TVE Rio. Globo e Band tinham perdido o interesse pela competição, que chegou a ter partidas disputadas no meio da Copa do Mundo daquele ano, em junho, e foi até novembro, mais uma vez sendo realizada de forma simultânea com o Brasileirão no segundo semestre.

Prejuízos aos clubes

No ano seguinte, o torneio mudou para o primeiro semestre, mas a nota publicada pelo jornal Folha de S.Paulo para anunciar a estreia do Vasco como o primeiro jogo da competição dava o tom de como era a Copa do Brasil naqueles tempos:

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"Vasco e Rio Negro abrem hoje às 17h em Manaus a 3ª Copa do Brasil. Como nos anos anteriores, o torneio está fadado ao fracasso, mesmo valendo uma vaga para a Taça Libertadores de 92. Todos os clubes que já participaram do torneio tiveram prejuízos. Da tabela divulgada pela CBF em janeiro, apenas quatro dos 16 jogos da primeira rodada estão confirmados. Corinthians x Confiança, que seria hoje, foi adiado [...]".

A TV Manchete apostou na Copa do Brasil daquele ano, mas também não empolgou nos números e na audiência. O Criciúma comandado pelo técnico Luiz Felipe Scolari foi o campeão, batendo o Grêmio na decisão. E a Manchete desistiu do torneio no ano seguinte.

Galvão Bueno e Pelé: fio de esperança

O narrador Galvão Bueno contou essa história quando foi homenageado pela CBF durante sorteio da Copa do Brasil em 2023, pouco depois da morte de Pelé, o Rei do Futebol. Em 1992, Galvão tinha deixado a Globo e partiu para uma missão de dirigir o esporte da Rede OM, uma emissora de televisão paranaense que pretendia ser a primeira grande rede com sede fora do eixo Rio-SP. Galvão também teria sua empresa para promover eventos, mais ou menos o que Luciano do Valle fazia na Band naquela época.

"Para quem não sabe, a Copa do Brasil tinha morrido em 1992. Não existia mais. E duas pessoas se juntaram para trazê-la de volta. Duas empresas de esporte. A do Pelé e a minha. Pelé e eu trouxemos de volta a Copa do Brasil para o calendário do futebol brasileiro [...] Foi um sucesso, teve quartas de final com Grenal, a final entre Inter e Fluminense, os tricolores reclamam até hoje do pênalti, foi uma grande audiência", disse Galvão.

De fato, a Rede OM transmitiu aquela competição praticamente com exclusividade em um ano no qual Galvão já tinha conseguido levar a Libertadores para a emissora, que em São Paulo era sintonizada por meio da TV Gazeta, parceira da rede. Mas as limitações de alcance da Rede OM fizeram com que no Rio Grande do Sul, por exemplo, a TVE RS transmitisse a decisão com o título do Internacional.

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SBT salva a Copa do Brasil de vez

Após dois anos seguindo a lógica de uma competição ainda sem brilho em termos de produto e dinheiro, com transmissões espalhadas entre Record (que na época não estava nem próxima do tamanho que tem atualmente), CNT (novo nome da Rede OM) e TVE RS em 1993, e na Manchete em 1994, a Copa do Brasil percebeu que precisava mudar para ficar mais agradável à televisão.

Saía de cena a "meritocracia pura" que colocava sempre campeões e vices dos estaduais na disputa, entravam os convites para que mais times grandes pudessem povoar a competição e atrair mais torcedores. Mais tarde, o ranking da CBF seria um critério para garantir as presenças de todos os maiores clubes.

Em 1995, o número de participantes aumentou para 36. A reclamação dos clubes sobre aperto do calendário e jogos demais contra times pequenos ganhou um alento: quem vencesse por três ou mais gols fora de casa nos dois primeiros estágios do torneio eliminava a realização da partida de volta. Flamengo e Grêmio foram convidados pela CBF. O Corinthians entrou na terceira vaga paulista, como campeão da Copa Bandeirantes de 1994.

A final, disputada entre Corinthians e Grêmio, teve o Timão campeão pela primeira vez do torneio em um jogo que rendeu ao SBT uma média de 42 pontos no Ibope em São Paulo, simplesmente a maior audiência da história do canal até então, batida apenas pela Casa dos Artistas em 2001. A Globo ficou em segundo lugar, com 24, em plena faixa da novela. O recorde anterior do SBT vinha dos anos 1980, com 'Pássaros Feridos'.

Além do SBT, a competição também ganhava espaço na TV por assinatura. Ainda em 1994, a TVA Esportes passou a transmitir a competição. No ano seguinte, convertida em ESPN Brasil, a emissora paga continuou com a exclusividade nessa mídia. SBT e ESPN tocaram a competição sozinhas até 1997. E foi aí que o olho da concorrência cresceu.

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Globo volta à Copa do Brasil

Depois de transmitir a primeira edição da Copa do Brasil e perder o interesse pelo torneio pouco atraente ao público, na virada da década, a TV Globo viu o estrago provocado pelo torneio no SBT. A competição aumentou de tamanho, tendo 40 participantes em 1996, e 44 em 1997, garantindo a presença de todos os grandes.

Depois de superar a concorrência do SBT para manter o Brasileirão na grade, em 1997, comprando a competição em consórcio com a Band e lançando as bases para um domínio completo que durou praticamente até o ano passado, a Globo avançou na Copa do Brasil e conseguiu os direitos não exclusivos de 1998. O SBT continuava com a competição, teria jogos exclusivos, mas agora a maior concorrente também entraria.

Com o torneio encaminhado, caindo nas graças do público como título nacional e surfando também na onda do crescimento da Libertados nos anos 1990, a Copa do Brasil se vendeu bem como o "torneio mais democrático do futebol brasileiro", mas mais ainda como "o caminho mais curto para a Libertadores". E com exposição nacional na maior emissora do país.

O SBT, frustrado pela derrota na disputa pelo Brasileirão e pela perda da exclusividade na Copa do Brasil, se retirou do futebol ao fim de 1998. A Band ocupou o espaço como parceira da Globo.

Calendário apertado e perda de times grandes

A Copa do Brasil poderia ter se tornado um campeonato rico antes, mas uma soma de fatores atrasou o desenvolvimento econômico e financeiro da competição na virada dos anos 2000. Embora tivesse uma empresa do tamanho da Globo como parceira e principal divulgadora, o torneio se viu cada vez mais apertado no calendário.

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Ainda no ano 2000, perdeu o título de "atalho mais rápido para a Libertadores" para a Copa dos Campeões, torneio que reunia campeões regionais no Nordeste no meio do ano. O Palmeiras precisou de apenas cinco jogos para se garantir na Libertadores de 2001 com o título da nova competição nacional.

Em 2001, deixou de contar com os times que participavam da Libertadores, justamente por causa do aperto no calendário. Agora se tornava oficialmente impossível ser bicampeão de forma consecutiva da Copa do Brasil, já que o dono da taça no ano seguinte jogaria a Libertadores. Isso durou até 2012.

A Globo usava a Copa do Brasil como item na "divisão de praças". Era comum uma quarta-feira com parte do país vendo a competição nacional na emissora, e outra parte vendo algum jogo de Libertadores, ou mesmo de Brasileirão. Com o fim da Copa dos Campeões, em 2002, a Copa do Brasil retomou o posto de caminho mais rápido para o sucesso continental. E também viveu várias zebras, como os títulos de Santo André e Paulista contra Flamengo e Fluminense, respectivamente, em 2004 e 2005.

Neste período, a Globo sublicenciou algumas emissoras diferentes, mas sempre com transmissões 'consentidas', no horário e com os jogos que a Globo queria que elas transmitissem. RedeTV!, em 2001, Record, de 2002 a 2006, e Band, de 2007 a 2015, com uma pausa em 2014.

Na TV paga, a Copa do Brasil voltou aos canais ESPN em 2009 graças a um acordo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no qual a Globo se comprometia a não ter a exclusividade simultânea dos dois principais campeonatos nacionais na TV paga, e entre Brasileirão e o mata-mata, preferiu ceder a segunda para a ESPN Brasil, ganhando em troca o Campeonato Italiano para o sportv.

Voltam os times da Libertadores e muda o calendário

Em 2013, a CBF resolve mudar a Copa do Brasil e retoma a participação dos times que disputavam a Libertadores na mesma temporada. Havia uma pressão muito provocada pelo exemplo do Corinthians, que em 2011 ficou sem vaga na competição nacional porque estava classificado para o torneio continental, mas foi o primeiro time brasileiro a ser eliminado naquele formato, após cair diante do Tolima.

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Na prática, ficou sem a Libertadores, cuja arrecadação valia mesmo com a fase de grupos em diante, e sem a Copa do Brasil. Em 2013, a CBF montou um formato que elevou o número de participantes da competição nacional para 87, sendo que seis times participantes da Libertadores entrariam diretamente nas oitavas de final. O campeonato também passava a durar o ano todo, de fevereiro a novembro.

Na TV paga, o Fox Sports se juntou ao sportv e à ESPN. Criado em 2012, o canal esportivo da Fox chegou com os direitos exclusivos da Libertadores e da Sul-Americana, e usou essas competições em uma troca com o sportv para ter também a Copa do Brasil a partir de 2013. O acordo durou até 2018.

A concorrência que tornou a Copa do Brasil rica

Em 2016, a Globo teve pela primeira vez uma concorrência realmente forte na briga por direitos de transmissão. O Esporte Interativo tinha sido comprado pela Turner, que investiu grana suficiente para tirar a Champions League da ESPN após 20 anos de domínio no Brasil, e estava indo para cima dos torneios nacionais.

A marca tirou alguns times do sportv no Brasileirão para o período entre 2019 e 2024, como Palmeiras, Santos, Internacional, Bahia, Fortaleza, Athletico, entre outros. E chegou a sinalizar com proposta para comprar a Copa do Brasil por cerca de R$ 300 milhões. A Globo, até então, pagava na casa de R$ 100 mi. O campeão ganhava, quando muito, R$ 12 milhões.

A Globo renovou pagando R$ 325 milhões por ano a partir de 2018 no ciclo que iria até 2022, fazendo o prêmio máximo saltar para R$ 68 mi, sendo 50 milhões de reais só pela vitória na final. Foi a concorrência do Esporte Interativo quem fez a competição disparar em arrecadação.

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Com o tempo, a Globo precisou de ajuda para bancar esse valor. No fim de 2021, a emissora fechou um acordo de sublicenciamento com a Amazon, que queria transmitir futebol no streaming com seu Prime Video. Acertou um pacote com 30 jogos exclusivos e mais seis compartilhados para 2022. Os valores envolvidos nunca foram oficializados, mas estima-se que a Amazon ajude bastante com a conta.

Mais valorização no contrato

Em 2022, o risco era o SBT. A emissora da família Abravanel tinha voltado ao futebol em 2018 com a Copa do Nordeste, mas de forma regional. Investiu de verdade quando a Globo largou pelo caminho, no meio da pandemia, a final do Cariocão de 2020, e os direitos de TV aberta da Libertadores até 2022.

No começo daquele ano, o SBT perdeu a licitação promovida pela Conmebol para a Globo e não conseguiu renovar a competição principal do futebol sul-americano para o ciclo 2023-2026. Ficou com a Copa Sul-Americana. Mas os rumores começaram a sinalizar para uma proposta acima dos R$ 500 milhões pela Copa do Brasil.

Não chegou a haver negociação, mas a Globo renovou com a CBF por um valor que estaria na casa dos R$ 525 milhões por ano, mais bônus por metas. A Amazon ajudou ainda mais a pagar essa nova conta, ficando desde 2023 com 40 jogos exclusivos e mais 14 compartilhados.

É esse o contrato que faz o campeão da Copa do Brasil ganhar em valores nominais hoje o que a competição inteira valeu até 2017. A força da TV e das novas mídias, a concorrência, o dinheiro que vem do exterior por meio de players como a Amazon, tudo isso transformou a competição, mas essa jornada teve momentos cruciais antes, nos quais o formato, a própria concorrência (do SBT) e as mídias que surgiam na época foram fundamentais.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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