Diretor de 'Máfia do Apito' sobre arbitragem: 'Todos burlamos regras'
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Com cada vez mais reclamações sobre decisões erradas dentro de campo e pelo VAR, das razoáveis às mais excitadas, o assunto arbitragem dominou a semana da data Fifa. Ontem, o Botafogo enviou um ofício dizendo que não aceitaria pressão sobre os árbitros na partida de hoje contra o Flamengo — pressionando ele próprio os árbitros e CBF. O São Paulo quer o banimento de Ramon Abatti Abel de suas partidas, depois do Choque-Rei. E por aí vai. A pergunta mais popular do Google na semana passada? "Quais foram os times mais beneficiados pelo VAR?"
Para trazer um novo olhar ao debate, a coluna entrevistou Bruno Maia, diretor-geral da série "A Máfia do Apito", da Globoplay, que retrata um dos maiores escândalos de arbitragem da história do futebol brasileiro. Maia também produziu "Romário, o Cara" e o podcast "Nos Armários dos Vestiários".
Que indícios de manipulação você entende que não foram percebidos na época da Máfia do Apito?
Na época, ninguém via grandes indícios de manipulação, conforme visto na série. Pelo contrário, o Edilson [Pereira de Carvalho] era elogiado pela arbitragem dele. Ele mesmo diz que acreditava conseguir combinar resultados sem necessariamente interferir no jogo e muitas vezes a partida não terminava como prometido. Só mais tarde, quando a ganância aumenta, ele passa a interferir em lances de forma subjetiva. O mais interessante é que isso reflete no próprio futebol brasileiro: um ambiente de improviso, dissimulação e tolerância com certos desvios, onde até quem investiga ou noticia joga dentro das suas próprias regras.
Classificação e jogos
O legal da série, mais do que simplesmente pegar este ponto da investigação, é que mostra a história bem mais complexa do futebol, que envolve vários valores e caracteres. Essa dissimulação, eventualmente até criminosa, que ao mesmo tempo se mistura com um certo improviso, mostra que os personagens inclusive com um certo carisma. De sermos um pouco permissivo porque, afinal de contas, se o cara performa no futebol passa a ser tolerante. E os tipos são muito marcados, nos levando a ter empatia com determinados personagens.
E dá para observar que ali em torno, mesmo Ministério Público e a Polícia Federal, todos atuam de alguma forma dentro das regras dos seus jogos — até burlando certas coisas em prol de atingir o fim. Seja o fim de conseguir uma matéria ou uma disputa telefônica. Sempre tem esse improviso que, óbvio, não se compara a um crime, mas tem na sua gênese o mesmo pensamento.
Vê algo semelhante se desenrolando agora? Como as bets mudam esse cenário?
Não vejo algo semelhante acontecendo hoje, até porque esse não é exatamente o meu foco. Mas percebo, como alguém que transita na indústria do esporte, que o grande ponto está na qualidade da regulamentação e não na proibição das bets. A clandestinidade sempre foi o pior cenário. No caso do Edilson, por exemplo, as bets não eram reguladas, então não existia uma comunicação oficial entre a casa de apostas e as autoridades. Hoje, isso seria diferente: a empresa é obrigada a reportar e a investigação começa de forma imediata. Além disso, hoje, as suspeitas estão focadas mais sobre jogadores do que árbitros, e é onde a regulamentação brasileira pode evoluir, já que o foco ainda está muito voltado à arrecadação, não à gestão das consequências sociais do jogo.
Tendo mergulhado no mundo da arbitragem, o que acha que poderia ser feito para melhorar esse cenário?
Ao me aprofundar no universo da arbitragem, desenvolvi um apreço pela profissionalização da classe. Entretanto, existe uma complexidade desse processo, especialmente em um país que enfrenta desafios na organização de seu calendário, em que muitos profissionais, incluindo os árbitros, encontram-se em situações financeiras precárias. Muitos jogadores de futebol, por exemplo, exercem outras atividades profissionais para complementar sua renda, devido ao baixo salário e a limitada perspectiva de carreira.
O que mais te chamou a atenção em relação aos árbitros do ponto de vista pessoal? São vilanizados demais?
Eu não acho que os árbitros sejam vilanizados, entretanto, entendo que exista uma conveniência para descontar os problemas de um sistema frágil em apenas uma pessoa, como se nós mesmos nunca cometêssemos erros. O caso do Edílson não pode ser comparado, porque existe uma confissão de um crime, mas geralmente ocorre essa situação no mundo do futebol.
No caso do Edilson, ele de fato é confesso de atos que hoje em dia seriam considerados crime. Não enxergo o Edilson apenas como um problema, mas sim como uma consequência do problema e da estruturação das etapas que o futebol permite, que é das pessoas irem testando o limite do sistema até chegarem em determinado lugar.
Óbvio que ele é responsável. Mas você consegue avaliar quantas brechas ou quantas vezes o futebol forjou o caminho para este próprio camarada chegar deste jeito. Então não acho que eles são vilanizados. Mas eu acredito que, eventualmente, rola uma conveniência de que os casos isolados, por si só, permitem com que a gente ponha para fora toda a nossa raiva, como se nós fôssemos pessoas extremamente virtuosas o tempo todo, que não cometêssemos os nossos pequenos improvisos.
Acredito que podemos fazer uma análise mais endêmica do futebol, a partir do caso do Edilson, e acreditar sim que as coisas podem melhorar. Como eu acho que muitas delas melhoraram, de 20 anos para cá, depois que o caso do Edilson aconteceu. Mas isso não resolve. Estamos 20 anos na frente, milhões de coisas novas surgiram. Eu acho que é um trabalho de comunidade e todos nós somos responsáveis, cada um, de fazer o seu melhor a cada dia e confiar e continuar sendo ativos para as coisas continuarem melhorando para que as próximas gerações já usufruam melhor e também tenham a sua responsabilidade de avançar posteriormente.
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