O futebol como esperança em um mundo com Trump
Falo pouco de política neste espaço, embora viva falando de política nesse espaço — afinal o que é o futebol senão a política correndo atrás de uma bola.
Mas a vitória maiúscula do minúsculo Trump me obriga a trazer a esta coluna o assunto na sua forma mais crua.
É impossível ignorar a mensagem que a eleição de uma figura como ele carrega. Entre muitas coisas, significa que a suposta maior democracia do mundo preferiu o cara das alusões nazistas a uma mulher (negra) competente e honesta. Latinos votaram no sujeito que defende deportação em massa. Pobres votaram no milionário apoiado pelo bilionário que lutará por benefícios cada vez maiores para quem já tem tudo. Mulheres votaram no predador diretamente responsável por lhes roubar o direito de decidir sobre o próprio corpo. Vítimas votaram no seu algoz.
Em suma, estamos testemunhando o retrocesso do conceito humano mais básico: todos temos o mesmo valor, merecendo os mesmos direitos e oportunidades. Não, não. Volte cem casas.
Como mãe, é difícil não me entregar ao desespero de pensar que deixarei para o meu filho uma sociedade ainda mais desigual do que aquela que herdei dos meus pais. Que mesmo com todos os privilégios garantidos pelo sacrifício da minha mãe, pouco conseguirei fazer para que a geração do meu moleque viva melhor do que a minha.
Como mãe, porém, não tenho direito de afundar-me. Acordei hoje com a manchete "Trump, de novo" ao lado de um garotinho excitadíssimo para saber quantos gols marcou a Laranja Mecânica e em que dia nasceu o Brozovic. Que me contou animado sobre os golaços do Botafogo, ainda que torça para Palmeiras e Flamengo. Que segurou as lágrimas pela goleada sofrida pelo City (meu melhor amigo é de Manchester) e ficou feliz que pelo menos o Vini Jr. marcou na derrota do Real Madrid para o Milan. E tudo bem que o Verdão perdeu para o Corinthians porque já está classificado para a Libertadores e hoje tem Mengão e Cruzeiro, né, mamãe.
Aos 5 anos, ele não precisa saber sobre Trump. Aos 41, eu não posso enfiar a cabeça em um buraco (queria) e fingir que o planeta não está ameaçado, seja por protótipos de ditadores, guerras ou tragédias ambientais. O "acopalices" parece viver à espreita e tapar os olhos não vai garantir nossa salvação.
O que fazer, então? Como acreditar que dá para mudar o estado das coisas, mesmo quando tantas placas apontam na direção do precipício?
Não sei. Lembrem que me pagam para falar de futebol.
Um futebol invadido por tudo que há de ruim (estupradores e seus brothers, por exemplo), mas também cheio de lições importantes sobre perder, levantar-se e tentar ganhar no dia seguinte. Cheio de momentos em que a derrota mais certa se transforma na conquista mais surpreendente. Cheio de pequenas alegrias. Como a do meu filho em saber que o goleiro Raya faz aniversário no mesmo dia que ele e o Cebolinha, no mesmo dia que eu.
Como tudo no futebol (e na vida), Trump há de passar. Precisa passar.
Enquanto não passa, vocês sabiam que o Álvaro Morata faz aniversário no mesmo dia que o Pelé?
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