Hat-trick de Ary e golaço de Bia: Seleção deitou no Panamá e nos ignorantes
É muito difícil falar de futebol feminino simplesmente pelo futebol. Quase toda mesa redonda, transmissão, análise, coluna precisa, em algum momento, lembrar o quanto evoluímos, o quanto o preconceito, o desconhecimento e as condições já foram muito piores.
Isso sempre me incomoda, na medida em que trata o futebol masculino como a norma. É tão inevitável, que estou aqui lamentando o fato ao mesmo tempo em que repito o triste padrão.
Tudo isso para dizer: o Brasil voou hoje contra o Panamá. Além do impressionante hat-trick de Ary Borges (é raríssimo conseguir marcar três gols em qualquer partida, que dirá em Copa do Mundo), um dos elementos que mais me trouxe alegria foi o golaço de Bia Zaneratto.
O golaço coletivo é talvez a maior maravilha do futebol. Aquele momento em que a gente lembra por que gosta tanto desse esporte — que nem sempre gosta da gente de volta.
Classificação e jogos
Toda a jogada é maravilhosa: a velocidade da descida pela esquerda, o lançamento de Tamires para Debinha, a elegante tabela com Adriana, o cruzamento para Ary Borges e a inteligência de quem poderia ter chutado no gol, em seu grande dia, mas decidiu deixar de calcanhar para trás, esperando a chegada da companheira imperatriz, que finalizou à altura do lance e fora do alcance da goleira panamenha.
O que convencionamos chamar de pintura. Uma pintura a vários pés e corações.
Para além do talento, inquestionável (assim como naquela propaganda francesa, que substituiu mulheres por homens a fim de provar nosso viés), sobrou velocidade, força e genialidade. Afinal, o que é a assistência de calcanhar de Ary senão a genialidade pura da craque? Sem deixar de destacar também a categoria da deixada de Adriana para Debinha.
Adriana que se emocionou muito ao, finalmente, ouvir o hino brasileiro perfilada dentro de campo. Em 2019, uma lesão a tirou da Copa na França. Em 2021, outra lesão a tirou dos Jogos Olímpicos em Tóquio. Hoje, foi a sua vez de tirar: onda e a bola da zaga adversária.
Marta, a rainha da porra toda, também nos brindou com sua presença. Pela sexta vez seguida. Repito: seis Copas do Mundo. Ela já marcou 17 vezes nas cinco edições anteriores e, caso Sinclair não anote o seu pelo Canadá, pode se tornar a única atleta do futebol (entre homens ou mulheres) a meter gols em seis Mundiais. Uma entidade.
É óbvia a importância de começar uma Copa do Mundo goleando. A Seleção hoje fez mais do que isso. Para usar um outro termo gasto da gíria ludopédica: o Brasil deitou. No Panamá. E em quem insiste em desmerecer o futebol feminino com base unicamente em vozes das suas cabecinhas.
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