Topo

Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo em legítima defesa no Mineirão: decisão absurda valida um crime

29/07/2022 18h10

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Nesta semana, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais absolveu Adrierre e Natan Siqueira Silva, acusados de chamar um segurança negro de "macaco", no Mineirão, em novembro de 2019. Os irmãos também teriam dito, de forma pejorativa, "olha a sua cor". Para os três desembargadores que assinaram a decisão, a vítima teria contribuído para a "justificável ira" dos réus.

O caso transitou em julgado. Não cabe recurso.

Confesso que passei o dia tentando processar o que li.

O relator Jayme Silvestre Corrêa Camargo escreveu isso aqui: "Os acusados, a princípio, agiram revoltados, em uma crescente e justificável ira, eis que sob o efeito de gás de pimenta e temendo por sua integridade física, fato este que, em alguma medida, foi provocado pela própria vítima, que insistia em impedir que eles, por evidente necessidade, se dirigissem até um ponto mais seguro do estádio."

Havia um enorme tumulto entre as torcidas de Cruzeiro e Atlético-MG e o segurança teria impedido a passagem de torcedores, entre eles os acusados.

De acordo com a acusação, Adrierre teria então cuspido em Fábio, dito que sua mãe trabalhava na zona e o chamado de "filho da puta", "viado" e o já sabido "olha a sua cor", enquanto Natan o teria xingado de "macaco" por duas vezes. Tudo isso foi filmado e as imagens, periciadas. Racismo, homofobia, misoginia, pacote completo.

Mas sabe o que disse à Folha a advogada dos irmãos, Cristiane Aguiar? "Ele nem é negro, é, no máximo, pardo."

Fábio, o segurança, afirmou estar "mais humilhado agora do que no dia do fato". E nem poderia ser diferente.

O Brasil está oficializando o racismo. O racismo em legítima defesa. O racismo em defesa da honra do racista. O racismo com culpabilização da pessoa negra.

Vocês acham que essas coisas não têm consequência? Que racismo é crime sem vítima? Xingamentos, ofensas, agressões mais leves são só a ponta de um iceberg grotesco em que colidimos todos os dias.

Números não mentem. No Brasil, 78% das pessoas mortas por arma de fogo são negras (quase todos homens). A taxa de letalidade em ações policiais é 2,8 vezes maior para homens negros do que brancos. Quase 80% dos mortos nessas ações são negros.

No Rio de Janeiro, nos últimos 14 meses, ocorreram três das quatro ações mais letais da história da polícia carioca. Estamos falando de 72 mortes em três chacinas.

Não é por acaso. E não é por acaso que estejamos vendo uma escalada nos episódios de injúria racial no futebol. O racismo é aceito, agora até pela Lei, o que incentiva e promove o racismo, não se enganem.

Já usei aqui na coluna uma frase pinçada do revelador podcast República das Milícias, que eu ser pertinente aqui quase todos os dias. "A impunidade é a semente do próximo crime."

Agora precisamos aguentar a impunidade com uma pitada de legitimidade. Uma desgraça.