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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Racismo no futebol: clubes precisam arriscar a própria carne

28/04/2022 12h17

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É inacreditável que não passemos uma semana sem insumos para escrever sobre racismo no futebol.

Pior, é fácil de acreditar: afinal, vivemos em um mundo que segue profundamente racista, e o futebol nada mais é que um reflexo de seu contexto.

Na Libertadores, chegamos a dois casos em dois dias, com torcedores de Boca Juniors e Emelec. Que isso não nos iluda: o Brasil é tão racista quanto o resto do continente.

Um passeio rápido pelo fundamental site do Observatório Racial do Futebol mostra que os criminosos estão por toda a parte.

Roger Machado teve sua esposa e filhas xingadas em coro no estádio, em partida contra o Operário, pela série B (ainda estou em choque). Os próprios torcedores do Grêmio sendo racistas. Episódios em partidas de Palmeiras, Corinthians, Bragantino, Fortaleza, Flamengo e tantos outros pela Libertadores. Denúncias na segunda e quarta divisões do Campeonato Paulista. Casos contra Gabigol, Celsinho e tantos outros jogadores. Até no futebol americano do Brasil.

Não há escapatória.

O torcedor do Boca Juniors preso em flagrante na Neo Química Arena teve sua absurda fiança de ridículos 3 mil reais paga pelo Consulado Argentino. No caminho para casa, um amigo postou uma foto com ele no Instagram, com os dizeres: Aqui não aconteceu nada. E um emoji de macaco para completar! Racistas debochados.

Como punição, o clube argentino deve receber a multa prevista no artigo 17 do Código Disciplinar da Conmebol: 30 mil dólares. O que equivale a 1% do seu rendimento por participar da fase de grupos da Libertadores: 3 milhões de dólares. Trocado.

Como ressalta Marcelo de Carvalho, diretor do Observatório, há um descompasso entre um movimento antirracista que avança, que consegue conscientizar mais gente, incentivar as denúncias, e as punições aplicadas pelos tribunais.

Ah, mas foi só um torcedor (com vários outros rindo à sua volta). Ah, mas não deu para identificar o agressor. Ah, mas é inconclusivo. Ah, foi grave, mas não gravíssimo.

Atenuantes que favorecem apenas um grupo: os racistas.

Infelizmente, não vejo qualquer esperança de eliminar o racismo do futebol enquanto não houver suspensões de competições, punições desportivas, perda de pontos, impacto sentido dentro de campo. Ou alguém acha que tem torcedor preocupado com multa de 30 contos?

E não basta que confederações e tribunais se mobilizem de verdade. Os clubes precisam encontrar coragem para exercer o papel que lhes cabe nessa luta: exigir penas severas, ainda que recaiam sobre eles próprios. Usar o seu poder para o bem. Arriscar a sua carne para preservar a das vítimas.

Enquanto isso não acontecer, seguiremos empoderando apenas os racistas.