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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Alicia Klein: Anvisa cumpre a lei e o futebol esnobe choraminga

Momento em que agentes da Anvisa interromperam a partida entre Brasil e Argentina - Alexandre Schneider/Getty Images
Momento em que agentes da Anvisa interromperam a partida entre Brasil e Argentina Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

06/09/2021 14h46

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Vocês também já se cansaram da arrogância das figuras que operam o futebol? Ontem, apenas mais um episódio ridículo de uma gente que acredita existir num universo paralelo, em que as leis que se aplicam a nós não valem um real furado. Em que é possível falsificar documentos, descumprir regras sanitárias e ainda se revoltar quando o oficial aparece para te buscar. Em que se imagina que uma partida de futebol, porque "está na TV", é mais importante do que a legislação do país. Em que acordos informais, velados, garantidos sabe-se lá por quem devem se sobrepor à soberania nacional.

Poupem-me.

Quatro argentinos, ou algum seu representante, falsificaram documentos oficiais de imigração. Ponto, parágrafo.

Não cabe a discussão se a portaria de reciprocidade faz sentido, se eles ofereciam risco sanitário ou não, se houve um compromisso (ilegal) que supostamente os autorizaria a atuar. Como bem disse o presidente da entidade, a autoridade sanitária do Brasil é a Anvisa. Não é um ministro, não é a Conmebol, não é a Associação de Futebol Argentino. Não são os comentaristas, a torcida, a tia do café.

Ah, mas não podia esperar o intervalo? O fim da partida? Por que fazer aquela cena, com cinco minutos de jogo? Meu palpite, por tudo que vi, li e ouvi: a Anvisa tentou desde o início impedir que os quatro atletas em questão ficassem no país. Queria deportá-los. Alguém conseguiu um aval para tirá-los do aeroporto. A partir daí, Anvisa e Polícia Federal tentaram negociar para que deixassem a delegação. Em algum lugar deste caminho, houve um buraco.

Afinal, causa-me espanto uma PF que faz apreensões e prisões cinematográficas, em operações de altíssima complexidade, mas não consegue tirar quatro caras de dentro de um ônibus. Ou alguém não quis "prender", ou alguém não arrumou a papelada necessária para fazê-lo. Vejo poucas alternativas a esses dois cenários.

Até que se apure o que realmente aconteceu, fica para mim uma certeza: há servidoras e servidores públicos de muito brio nesta nação. Oficiais que não cedem a pressões, que não toleram o jeitinho, que não se deixam empurrar para fora de campo. Que cumprem sua função custe o que custar, doa a quem doer, com ou sem TV.

Talvez você ache uma besteira o que aconteceu. Ah, deixa os caras jogarem, depois bota num avião para Buenos Aires e acabou. Quem sofreu? Gente, as leis sofrem quando se aplicam a uns e não a outros. Um país em que isso acontece é, por definição, injusto. Porque, acredite, se você mentisse num documento de imigração, dizendo que não esteve onde esteve, não haveria clemência com a sua pessoa. Deportação na certa. Ninguém ia querer saber o que você faz da vida, se tinha um compromisso importante, se não quis ofender. Ia ser beijo e adiós.

Então, se você não acha que porque alguém chuta uma bola ele é mais importante do que você, deixe aqui seu aplauso para os agentes da Anvisa. Afinal, eles trabalham para que você possa viver num Brasil mais saudável - e menos sacana.