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Alicia Klein

Abel Braga e o valor do tiozão brasileiro

Abel Braga antes do confronto entre Vasco da Gama e ABC pela Copa do Brasil - Thiago Ribeiro/Thiago Ribeiro/AGIF
Abel Braga antes do confronto entre Vasco da Gama e ABC pela Copa do Brasil Imagem: Thiago Ribeiro/Thiago Ribeiro/AGIF

21/01/2021 18h56

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Era o ano de 2019 e Jesus havia aterrissado na Gávea para ao mesmo tempo criar e consolidar o mito do grande treinador estrangeiro salvador. Na Baixada Santista, Jorge Sampaoli ressurgia das cinzas para ressuscitar não só sua carreira, mas também a bola do Peixe.

Era o ano de 2020 e a chegada de Eduardo Coudet, Domenèc Torrent, Ricardo Sá Pinto, Ramón Díaz, Gustavo Morínigo e Abel Ferreira consolidava a invasão gringa em terras tupiniquins. Seria uma escassez pontual? Ficamos para trás? Somos mesmo inferiores?

Era o ano de 2021 e a maré começava a mudar. Jesus, Coudet, Torrent, Pinto e Díaz tinham virado lembranças (saudosas ou tenebrosas), e o líder do Brasileirão era Abel Braga. Abelão in da house.

No G6, hoje, restam dois estrangeiros: Sampaoli e o Abel português. Fernando Diniz, com seu estilo saidinha de bola e esporro motivacional, vai se mostrando menos versátil a cada rodada. Ceni e Gaúcho tropeçam. Enquanto isso, a sequência histórica de sete vitórias consecutivas do Inter e a goleada acachapante sobre o ex-líder São Paulo alçaram Abelão de volta ao topo. Quem explica?

Ninguém acusará Abel Braga de ser um jovem gênio revolucionário, mas algo deu certo em terras coloradas. As mudanças táticas, especialmente no meio campo, e a revelação de alguns jogadores são mérito do treinador, não há dúvida. O que mais me surpreende, porém, é a resiliência de um homem que passou por uma das maiores tragédias que consigo imaginar: a dor de perder um filho.

Em 2017, João Pedro Braga morreu após cair da janela do banheiro do apartamento da família. Ele tinha 18 anos e sofria de crises convulsivas. Tenho um filho pequeno e tendo a pensar que não sobreviveria num mundo sem ele. Mas Abel achou na bola suas "muletas". "E é essa paixão que me mantém hoje vivo, totalmente voltado e direcionado para aquilo que eu mais gosto de fazer: tentar proporcionar vitórias e alegria aos torcedores", disse o treinador, em entrevista à TV Globo.

Abelão tem 68 anos. Ídolo no Internacional, foi contratado pela diretoria num momento de crise, um nome apaziguador, que até os mais incrédulos seriam incapazes de contestar - ainda que grande parte da torcida já lhe suspeitasse ultrapassado.

Coudet, seu bem-sucedido antecessor, tem 46 anos. Abel, o Ferreira, 42. Rogério Ceni, 47. Diniz, 46. Maurício Barbieri, 39. Metade dos técnicos na Série A tem menos de 50 anos.

Vivemos numa era de descartáveis, de lançamentos, de novidades constantes, tudo importado, nada feito para durar. O que não é novo, mas também segue tinindo é nosso complexo de vira-latas, termo cunhado por Nelson Rodrigues na sequência da lancinante derrota do Brasil na final da Copa de 1950.

Tá velho, joga fora. É nacional, não presta. Num campeonato marcado pela inconstância, desafios dentro e fora de campo, grandes fases que logo passam, Abelão segue trabalhando firme e renascendo. Tiozão, old school, humilde, segue nos lembrando que 60+ não é sinônimo de ultrapassado e novo não é sinônimo de competente. Segue nos ensinando que, apesar dos reveses, há enorme valor em simplesmente seguir.