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OPINIÃO

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Campeão de novo, Stephen Curry consolida seu lugar entre os maiores da NBA

Stephen Curry ergue o troféu da temporada 2022 da NBA conquistado pelo Golden State Warriors, que enfrentou o Boston Celtics no jogo 6, no TD Garden. 16/06/2022 - ELSA/AFP
Stephen Curry ergue o troféu da temporada 2022 da NBA conquistado pelo Golden State Warriors, que enfrentou o Boston Celtics no jogo 6, no TD Garden. 16/06/2022 Imagem: ELSA/AFP

21/06/2022 04h00

Mesmo antes da temporada 2021-22 da NBA, Stephen Curry não precisava provar mais nada para ninguém. O armador do Golden State Warriors era um duas vezes MVP (incluindo o único a ganhar o prêmio de forma unânime), três vezes campeão da NBA, principal jogador da dinastia mais importante da sua geração, unanimemente considerado o maior arremessador de todos os tempos, e o jogador que mais transformou a forma como basquete era jogado, pensado e compreendido desde Elgin Baylor e Bill Russell nos anos 50/60. Ele já era um dos maiores e mais realizados jogadores da história do basquete.

E, no entanto, é inegável que o título de 2022 teve um sabor e um peso diferente para Curry e esse time do Golden State Warriors, e que impacta de forma ainda maior um legado que já era especial. Se não acredita, é só olhar o choro copioso de Stephen Curry, normalmente tão calmo, ao final da partida:

A lista de jogadores com três ou mais títulos e múltiplos MVPs além de Curry, inclusive, é extremamente reveladora: Michael Jordan. Bill Russell. LeBron James. Tim Duncan. Larry Bird, Kareem Abdul-Jabbar. Magic Johnson. Essa é a lista, e você pode fazer um argumento forte de que esses são os sete maiores jogadores da história da NBA (eles eram meu Top7 antes da temporada).

Mas, apesar de estar nessa companhia especial (e altamente exclusiva), muitas pessoas ainda hesitavam em colocar Steph entre os maiores de todos os tempos. Talvez parte disso seja porque Curry não se encaixa no estereótipo que nós associamos a esse nível de jogador, ao ponto de que nós precisamos ao longo dos últimos oito anos mudar nossa forma de pensar, análisar e até mesmo entender o esporte para poder melhor compreender o impacto descomunal de Steph; talvez porque o auge de Curry vem em uma época de redes sociais onde nossa sociedade se voltou muito mais para criticar e destruir as pessoas do que em exaltar.

Independente do motivo, a verdade é que se criou uma série de narrativas negativas ao redor de Steph para justificar esse rebaixamento do jogador. Que os títulos de 2017 e 2018 não "contavam" como os outros porque foram ganhos junto de Kevin Durant, como se jogadores como LeBron, Magic ou Kareem não tivessem vencido títulos ao lado de outras grandes estrelas. Que Stephen Curry não ia bem nos playoffs e principalmente nas Finais, embora ele fosse um dos quatro únicos jogadores da história (ao lado de LeBron, Jordan e Jerry West) a ter médias de 25 pontos, 5 rebotes e 5 assistências na sua carreira de playoffs, e um de seis com essas médias em Finais de NBA. Que Curry não conseguiria dominar dessa maneira sendo forçado a iniciar e comandar o ataque por conta própria, embora tenha tido médias de 32 pontos por jogo fazendo exatamente isso em 2021 com Klay Thompson machucado e nenhum outro bom pontuador no time. Nenhuma dessas narrativas se sustentava a uma análise séria e objetiva, mas elas persistiam no imaginário popular.

O argumento mais comum contra Steph era o de que ele não tinha vencido o título de MVP das Finais em nenhuma das conquistas dos Warriors (Durant em 17' e 18', Iguodala em 15'), como se isso significasse que ele nunca foi dominante nessas séries e, portanto, não foi o grande responsável pelo título. Esse argumento sempre revelou mais sobre quem o fazia do que sobre Curry em si, mas por mais estúpido que seja era algo que realmente afetava a percepção das pessoas.

E esse é o principal motivo pelo qual esse título tem um peso e uma importância diferenciada para Curry e os Warriors. Ele não é apenas mais um título no currículo de um grande craque ou de um grande time, ele é um feito que altera nossa percepção e muda o contexto para colocar em perspectiva acontecimentos passados. Agora não tem Kevin Durant mais em Golden State; quando KD deixou os Warriors em 2019, a expectativa era de que os Warriors tinham acabado, enquanto Durant iria continuar disputando títulos com um novo supertime dos Nets ao lado de Kyrie e (eventualmente) Harden. Mas Durant ainda não passou da segunda rodada nos playoffs, enquanto Golden State acabou de se sagrar campeão mais uma vez. A genialidade dos Warriors campeões de 2017/2018 - em especial do time de 2017, que é considerado por alguns o melhor time da história do basquete - veio naturalmente da junção entre o impacto coletivo de Curry (e dos Warriors montados ao seu redor) E a dominação individual de Kevin Durant, mas considerando o sucesso contínuo do modelo dos Warriors em relação ao que Durant conseguiu fora da Califórnia, um dos dois se destaca como sendo mais sustentável.

E para ninguém isso pesa mais do que Stephen Curry. A ideia de que esses títulos valem menos porque vieram de dois supercraques do esporte se juntando é ridícula, mas sempre teve uma discussão interminável sobre quem era mais responsável pelo sucesso da equipe: Kevin Durant e sua dominação individual, ou Curry e seu impacto coletivo? Durant talvez fosse o melhor jogador, mas Curry era o mais importante, e é difícil atribuir diferentes "pesos" (na falta de um termo melhor) para as contribuições de cada um nessa arrancada.

O título de 2022, no entanto, muda consideravelmente essa conversa. Agora Curry e os Warriors venceram um título (e 73 jogos na temporada regular) ANTES de Durant, e conquistaram um título DEPOIS de Durant. O que Durant trouxe para os Warriors e elevou a equipe consideravelmente obviamente é importante e elevou a equipe a outro patamar, mas vimos novamente que esse impacto individual pode ser compensado com o brilhantismo individual de Steph e o coletivo de Golden State mesmo na sua ausência, enquanto esses fatores que já estavam lá antes e continuaram depois da saída do camisa 35 agora se provaram mais uma vez capazes de ganhar um título por conta própria, com jogadores completamente diferentes, coadjuvantes diferentes, uma trajetória nova, com o mesmo resultado. O título de 2022 deixa claro agora qual foi o principal fator por trás dos dois títulos, e aumenta consideravelmente a estrela de Steph retroativamente.

E, mais que isso, Curry botou para dormir todas as narrativas possíveis de serem usadas para lhe negar seu lugar de direito entre os maiores da história. Ele agora tem na prateleira um MVP de Finais, conquistado de forma brilhante com uma atuação individual para a história contra a melhor defesa da NBA. Ele dominou as Finais do começo ao fim, com médias de 31 pontos, 6 rebotes e 5 assistências, e carregou os Warriors nas costas com pouquíssima ajuda ofensiva (Draymond foi nulo no ataque até o Jogo 6 e arremessou 33% de quadra no total, Klay Thompson arremessou 36%, Wiggins arremessou 44% de quadra e 29% de três, Poole teve apenas 13 pontos por jogo, etc). Ele teve uma partida icônica e definitiva, o Jogo 4 no qual anotou 43 pontos e foi provavelmente seu melhor jogo em playoffs da carreira, e que não apenas foi uma amostra de seu brilhantismo e dominação individual mas também acabou sendo o jogo que foi o ponto de virada decisiva das Finais. E ele fez isso assumindo mais do que nunca o manto de criador individual quando o resto do ataque estagnou, e o esquema de movimentação de bola dos Warriors parou na fortíssima defesa de Celtics.

Junte a isso todas suas conquistas individuais e coletivas, seu impacto histórico transformador e seu posto como maior arremessador da história do esporte, e não existe mais argumentos possíveis para negar a Curry seu lugar de direito entre os maiores da história do basquete. Qual lugar especificamente você coloca ele em uma lista, honestamente, não importa; importa o reconhecimento que esse jogador fantástico sempre mereceu e agora está finalmente recebendo à altura.

E, se sua atuação nas Finais da NBA, aos 34 anos e contra a melhor defesa da NBA, nos mostra alguma coisa, é que Curry ainda está longe de gastar a gasolina no seu tanque - o que levanta a possibilidade de que, apesar de tudo, ainda não vimos todos os capítulos da história mágica de Stephen Curry.