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OPINIÃO

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Defesas ganham campeonatos? Como a NBA em 2022 está confirmando essa frase

Bam Adebayo dá toco em Jayson Tatum na prorrogação de Miami Heat x Boston Celtics - Kim Klement-USA TODAY Sports
Bam Adebayo dá toco em Jayson Tatum na prorrogação de Miami Heat x Boston Celtics Imagem: Kim Klement-USA TODAY Sports

Heber Costa

10/06/2022 04h00

Quem tem familiaridade com os provérbios do basquete já deve ter ouvido esta frase: "ataques ganham jogos, defesas vencem campeonatos". Sem dúvida a defesa tem sido importante de um ponto de vista histórico, e mesmo times que foram campeões confiando totalmente no ataque tiveram uma defesa acima da média, mas nestes playoffs ficou muito claro que a defesa pode realmente levar você muito longe - que o digam Celtics e Warriors, os dois times que, segundo o site Cleaning the Glass, tiveram respectivamente o 1º e o 2º melhor índice defensivo (DefRtg) da liga, enquanto foram o 10º e o 17º em ataque (OffRtg) na temporada 2021-22.

Extrapolar essa correlação entre defesa e título para outros contextos e temporadas seria no mínimo arriscado, mas no caso da temporada atual vale a pena tentar entender melhor o contexto em que isso pode ser verdade.

Na temporada regular de 2021-22, cerca de 40% de todos os chutes tentados na NBA foram bolas de 3 pontos. Para se ter noção, apenas 5 anos atrás esse percentual era só um terço (34%) - e, meros 10 anos atrás, menos de um quarto (23%) das bolas tentadas eram de 3 pontos. Diante disso, parece lógico que a defesa de perímetro tenha ganhado uma relevância cada vez maior. Não deve ser apenas coincidência, então, que os quatro finalistas de conferência foram os times que melhor defenderam a bola de 3 pontos na temporada.

Dos times que melhor defenderam o chute de 3pt na temporada regular, quatro são finalistas de conferência.

Aproveitamento de 3pt do oponente:

? Miami Heat (33,9%)
? Golden State Warriors (33,9%)
? Boston Celtics (33,9%)
? Dallas Mavericks (34,0%)
? Phoenix Suns (34,0%) pic.twitter.com/XSMUgqPPe5

-- Heber Costa (@HocsBasketball) May 17, 2022

Sendo assim, parece óbvio que não defender bem o perímetro pode acabar sendo fatal, principalmente numa reta final. Foi o que aconteceu com o time de melhor campanha em 2021-22, o Phoenix, na semifinal da conferência Oeste contra o Dallas. O Suns permitiu que o Mavs chutasse uma média de 39 bolas por partida e acertasse 40% das bolas 3 pontos. Esse foi um dos principais fatores que levou o Suns a cair antes do previsto por muita gente.

O grande volume de bolas de 3 pontos arremessadas tem levado a situações novas, como a que temos neste momento: até o Jogo 2, Celtics e Warriors estavam chutando, juntos, 80 bolas do perímetro por jogo, uma média nunca vista na história da Final da NBA. Por outro lado, esse mesmo volume de 3 pontos também gerou marcas negativas que vão ficar na história, como a conseguida por Miami (ou melhor, pela defesa do Boston) no Jogo 5 da final da conferência Leste, quando o Heat acabou acertando apenas 7 dos 45 chutes de fora - a segunda pior performance da história dos playoffs. O Celtics sufocou o perímetro na série, e como resultado o Heat, que teve o melhor aproveitamento de 3 pontos em toda a liga na temporada regular (38%), terminou a série chutando míseros 30% do perímetro.

Em partidas em que um time tentou 40+ de 3pt, o Miami hoje teve a 2ª pior performance da história dos playoffs: 7/45, 15,6%. A 1ª foi do OKC em 2020 (7/46, 15,2%).

Contando temporada regular, só duas foram piores:

Boston 4/42 3pt (9,5%) em 2021
Dallas 6/44 3pt (13,6%) em 2022 pic.twitter.com/RmEvwMCVpy

-- Heber Costa (@HocsBasketball) May 26, 2022

Ou seja, o jogo atual da NBA, baseado em grande medida no chute de fora, tem gerado também defesas que reagem de acordo. Mas nem só de marcar o perímetro vive uma boa defesa. Aliás, marcar o perímetro não é nem de longe suficiente, como pôde muito bem testemunhar o próprio Dallas Mavericks, que perdeu a série para o Golden State justamente por causa disso - ao menos no que se refere ao lado defensivo. O técnico Jason Kidd optou por fazer o Mavs marcar agressivamente a linha dos 3 pontos e ele conseguiu fazer o Warriors reduzir seu volume de chutes de fora de 40 para 30 bolas por jogo, mas não tinha as peças (como um pivô protetor de aro) para defender o garrafão, e não conseguiu fazer a rotação defensiva do time compensar essa deficiência. O Warriors, então, detectando o ponto fraco do Mavs, atacou impiedosamente a cesta, desbaratando todo o sistema defensivo do time texano.

Abrindo um parêntese: quando se fala defesa, seria uma falta grave não fazer uma curta digressão aqui. Embora seja conhecido por ter uma das maiores estrelas ofensivas de todos os tempos, esse rapaz chamado Stephen Curry, e por ter um ataque fluido, inovador e difícil de ser parado, o Warriors muitas vezes não recebe o devido crédito do lado de trás da quadra. Nem todo mundo se dá conta de que o Warriors tem sido uma das melhores defesas da década - estando entre as dez melhores em 6 dos últimos 10 anos, entre os anos Mark Jackson e Steve Kerr, sendo a melhor defesa uma vez.

E, nesta série final, à exceção do 4º quarto do Jogo 1, em que Boston simplesmente matou quase tudo que chutou, não tem sido diferente. Até mesmo a falha que Golden State tinha apresentado contra o Dallas (permitir um número excessivo de chutes livres contra um time ótimo de 3 pontos) parece ter sido corrigida contra o Boston. Principalmente no Jogo 2, a defesa foi absolutamente sufocante, com rotações certeiras e provocando desperdícios.

Ocorre que, coincidência ou não, o Boston também pode se gabar de, nos últimos 10 anos, ter colocado sua defesa 6 vezes entre as dez melhores da liga - e também foi a melhor de todas uma vez, justamente em 2022. Nesse período (que começa no fim da era Doc Rivers), o Boston foi na maior parte do tempo comandado por Brad Stevens, que entregou a Ime Udoka um elenco capaz de defender em alto nível. Isso pôde ser visto ao longo dos playoffs inteiros, com os esmeraldinos parando (e deixando pelo caminho) nomes como Kevin Durant, Giannis Antetokounmpo e Jimmy Butler. Na série contra o Warriors, tem sido impressionante a capacidade do Celtics de impedir os famosos cortes do Golden State e a movimentação sem bola de Curry e Klay Thompson, forçando o time californiano a se reinventar e recorrer a coisas como o pick-and-roll alto.

E, se a pergunta do título era sobre defesa vencer campeonato, isso pode se provar especialmente verdade neste ano, ainda mais se Boston acabar sendo campeão. Isso porque, embora seja um time competente no ataque, depende bastante da sua defesa não só para deter o oponente, como também para criar chances ofensivas; como o time não é tão eficiente ou consistente atacando na meia quadra, o time se beneficia em enfrentar defesas bagunçadas após roubos de bola ou rebotes defensivos. Dos quatro times que chegaram às finais de conferência, o Celtics já era o que mais pontuava em transição, na maioria após roubadas de bola. Então, não é novidade, muito menos absurdo, afirmar que é na defesa que reside a grande força desse time.

Tanto isso é verdade que o Golden State, um time que normalmente precisa não apressar as coisas quando joga na meia quadra, tem tentado acelerar as posses de bola, atacando cedo no cronômetro ou tentando ligação direta após bater o fundo-quadra, para não ter que encarar a defesa do Boston postada - coisa que o Miami também tentou contra os verdes. O Celtics, por sua vez, tem usado Jaylen Brown e Jason Tatum isolados para atacar os links mais fracos da defesa do Warriors, especialmente Jordan Poole. Curry, que muitas vezes era visto como um alvo, tem tido um bom desempenho defensivo inclusive em confrontos individuais difíceis.

Enfim, parece justo afirmar que as defesas é que realmente têm dado o tom destas finais e, portanto, seria uma boa hora para discutir se "defesas vencem campeonatos". A resposta, claro, não é um simples sim ou não. Tem até estudo acadêmico de estatística sobre esse tema para quem quiser se aprofundar.

Mas uma coisa é certa: sem uma boa defesa, você não vai muito longe.