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OPINIÃO

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Como os Mavericks empataram a série em uma clínica de passes de Luka Doncic

Doncic em ação contra o Phoenix Suns nos playoffs da NBA - Jerome Miron-USA TODAY Sports
Doncic em ação contra o Phoenix Suns nos playoffs da NBA Imagem: Jerome Miron-USA TODAY Sports

10/05/2022 04h00

Depois de duas vitórias do Phoenix Suns em Phoenix - nas quais os Suns pareceram novamente a máquina mortífera, precisa e dominante da temporada regular - o Dallas Mavericks aproveitou os dois jogos em casa para dominar as partidas e empatar a série em 2-2, deixando tudo igual conforme ela volta para Phoenix antes do Jogo 5.

Sem dúvida que as terríveis atuações de Chris Paul nas duas partidas e o bombardeiro de bolas de três pontos no Jogo 4 ajudaram e muito Dallas a igualar a série, mas para mim, é impossível não ficar maravilhado com o que fez Luka Doncic no jogo de domingo - não como pontuador dessa vez, mas sim como passador. Luka é um dos melhores criadores e passadores da NBA - e está rapidamente entrando no rol dos melhores de todos os tempos - e sua genialidade no quesito esteve em total evidência no Jogo 4. No fundo, essa é a marca de uma grande estrela do basquete: Luka é capaz de não só impactar como dominar completamente jogos mesmo quando seu arremesso não está caindo. E por mais que ter 11 assistências seja chamativo por si só, o número não faz jus ao nível da masterclass que Luka colocou para cima dos Suns. Então vamos dar uma passada por todas as assistências que Luka deu na partida, não só para nos maravilharmos com a pura qualidade do que está diante dos nossos olhos (algo que também é sempre recomendado), mas para entender o que essas assistências nos contam sobre como Dallas conseguiu empatar a série.

A primeira assistência de Luka na partida foi simples: pick-and-roll entre Luka e Dwight Powell, e passe rápido para Reggie Bullock na zona morta. À primeira vista, você pensaria que não aconteceu nada demais, mas essa jogada nos mostra um elemento fundamental para a vitória de Dallas.

Repare que os Suns estão colocando DeAndre Ayton recuando para o garrafão ao invés de deixar ele mais próximo do corta-luz para tirar o espaço de Luka - como fez tão bem nos Jogos 1 e 2. E também não é Ayton que avança para defender Luka, é Chris Paul, que deixa seu jogador (Bullock) para isso e acaba permitindo que ele corre para a zona morta acertar o chute longo. Isso acontece porque os Suns não querem oferecer a Luka a troca que deixe Ayton como seu marcador, uma situação que evitaram muito bem nos jogos em Phoenix mas foi um problema no Jogo 3. As duas ações defensivas tem como propósito impedir o mismatch contra Luka, e Dallas inteligentemente aproveita isso para colocar Ayton em uma situação impossível: marcar Bullock e dar caminho livre para Luka até a cesta contra um defensor menor, ou manter Luka longe do aro e se atrasar na recuperação contra Bullock. Esse instante de indecisão é tudo que Doncic precisa para achar o companheiro livre.

A segunda assistência foi talvez a mais simples e fácil da noite: com Jae Crowder atrasado na volta para a defesa após torcer o pé, Dallas tem uma vantagem de cinco contra quatro em transição, e Luka rapidamente acha o jogador desmarcado para o chute livre. Tomada rápida de decisão, e bom corta-luz de Kleber que impede a recuperação de Ayton.

Outro tema recorrente da noite: Luka caçando Cameron Payne na defesa e forçando a troca, criando um mismatch que ele leva vantagem enorme vantagem. Isso força os Suns a deslocarem sua defesa para perto da bola e prestarem atenção redobrada para impedir que Luka destrua Paybe, e Luka aproveita essa atenção extra para pegar Booker cochilando e acertar Finney-Smith para a bola longa.

Essa é uma obra de arte, e uma janela para talvez o elemento mais importante da recuperação dos Mavericks na série: Luka Doncic jogando de costas para a cesta, como se fosse um pivô. Luka é EXCELENTE jogando de costas para a cesta, especialmente contra defensores menores, e essa posição oferece uma posição de frente para o perímetro que facilita a Luka fazer leituras e passes, dificultando a ajuda dos Suns.

Nesse lance, Luka aproveita que tem o baixinho Chris Paul como seu marcador, e leva Paul de costas na direção da cesta. Ele sabe que a ajuda virá, e sabe também exatamente qual o efeito dominó da dobra: ele antecipa as rotações dos Suns, usa o olhar para forçar Booker a se comprometer com a marcação de Dinwiddie, e nem precisa olhar para saber que Finney-Smith ficou completamente livre na zona morta para a bola longa.

Novamente, os Mavericks conseguem tirar Ayton de perto do aro e forçá-lo a defender no perímetro, dessa vez contra Spencer Dinwiddie. Dallas sabe que os Suns vão usar um segundo defensor para ajudar Ayton, e colocam Luka na posição desse defensor; quando Paul avança na ajuda, o passe acha Luka - que bate facilmente um Paul fora de posição, força ajuda no garrafão, e encontra o jogador livre mais uma vez.

Mais uma vez, Dallas se aproveitando das trocas e da atenção que os mismatches geram: Luka conseguiu Ayton, e impedir uma cesta fácil do esloveno é o foco de todos os jogadores dos Suns. Os Mavs aproveitam esse medo mais uma vez: Kleber finge que vai fazer o corta-luz para Bullock na zona morta, atraindo a atenção da defesa e chamando uma troca preventiva. Mas, ao invés disso, Kleber corta para o garrafão contra um defensor muito menor, e Kleber usa o corpo para selar o armador dos Suns, conseguir boa posição e anotar a cesta fácil.

Essa é daquelas assistências que eu odeio, porque não tem mérito nenhum na cesta em si. A jogada é fora da bola, e Brunson recebe o passe com pouco tempo no relógio, gira, e acerta o lindo arremesso sobre Jae Crowder. Próxima.

A assistência em si é normal, aproveitando um rebote de ataque e a defesa desmontada, mas o primeiro passe - que gera o rebote de ataque - é a arte aqui. Em transição, ele ve Bullock indo para a zona morta, ataca na direção de Payne para puxar a defesa, e quando todos os defensores estão na bola ele acha o jogador livre para o chute de três. Gênio.

Lembra da bandeja do Maxi Kleber na assistência #6? Pois é, Dallas faz o mesmo aqui, usando a defesa agressiva dos Suns contra ela mesma: Luka tem a bola contra Cam Johnson (que no papel não é um mismatch, mas que Luka ainda vai vencer no 1 vs 1), Crowder está mostrando a ajuda, e Kleber corta pelas suas costas na direção do garrafão. Crowder é pego fora de posição pelo corte, e com a outra cesta fresca na cabeça, dois jogadores dos Suns convergem em Kleber, com Crowder aceitando a troca e ficando na marcação de Finney-Smith... e Bullock aproveita toda essa atenção para mudar de posição para a zona morta, longe da atenção da defesa, movimento que Luka antecipa e novamente acha o jogador livre no momento certo.

Essa assistência é simples - passa pelo defensor a partir do drible, força ajuda, acha o jogador livre com o passe - mas essa jogada simples é o que explica todas as outras. É EXATAMENTE por isso que os Suns estão mostrando dobra, direcionando atenção, focando seus defensores em Luka; porque se ele está em uma ilha contra um defensor que não seja Mikal Bridges (e as vezes até Bridges!), ele vai bater esse defensor. E se ele faz isso sem uma sobra defensiva, você está morto - seja por uma bandeja, ou por um passe para três. Nesse caso, Booker não avança a marcação e fica próximo a Kleber... e é todo o espaço que Luka precisa para assassinar os Suns.

A última assistência é exatamente o oposto, e é basicamente Luka se exibindo a essa altura. Luka tem o mismatch contra outro baixinho em Aaron Holiday, a ajuda fica presa observando a bola, o resto da defesa está com medo demais de ajudar e deixar algum arremessador livre no perímetro, e Luka acerta o laser para Kleber completamente livre.

Uma aula de leitura, antecipação, e como usar a atenção da defesa ao seu favor - e valiosos insights em várias das formas como os Mavs estão usando para pegar a atenção defensiva que os Suns oferecem a Luka e usar a seu favor. Dois jogos depois, Dallas está de volta na série.