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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O que podemos aprender com o sucesso de Devin Booker nos playoffs

Devin Booker comanda segunda vitória dos Suns contra os Bucks na final da NBA - USA TODAY Sports
Devin Booker comanda segunda vitória dos Suns contra os Bucks na final da NBA Imagem: USA TODAY Sports

Colunista do UOL Esporte

22/07/2021 04h00

Caso você não tenha percebido ainda, Devin Booker é muito bom jogando basquete. O ala-armador do Phoenix Suns destruiu todos os recordes existentes para mais pontos por um jogador na sua primeira pós-temporada, com médias de 28 pontos, 6 rebotes e 4,5 assistências enquanto ajudou o Phoenix Suns a chegar até as Finais da NBA. Ele também colecionou uma série de atuações memoráveis ao longo desse processo, incluindo uma obra-prima de 47 pontos e 11 rebotes para eliminar os Lakers em pleno Staples Center, um triplo-duplo de 40 pontos, 13 rebotes e 11 assistências para vencer o Jogo 1 contra os Clippers, e jogos consecutivos de 40 pontos contra os Bucks nas Finais. Por qualquer ótica possível, Booker se estabeleceu como uma das grandes estrelas da NBA em 2021.

Mas, curiosamente, esse nem sempre foi o caso. Escolha #13 do Draft de 2015, Booker logo se mostrou nos seus primeiros anos como um grande achado no recrutamento e um dos melhores jovens pontuadores da NBA, tendo médias de 22 pontos por jogo na sua segunda temporada de NBA, aos vinte anos - incluindo um jogo de 70 (!!!!) pontos contra os Celtics. Nos três anos seguintes, Booker teve média de 26 pontos por jogo, arremessando 46-35-89 apesar de contar com pouquíssima ajuda ao seu redor. No entanto, apesar de suas performances espetaculares, o Phoenix Suns continuava sendo um dos piores e mais disfuncionais times de toda a NBA que nem passava perto dos playoffs, o que levantava muitas dúvidas sobre o quão "reais" eram as performances de Booker.

Basicamente, as pessoas que acompanhavam a NBA tendiam a se dividir em dois grupos: os que achavam que Booker era um jogador individualista, que acumulava números mas que não fazia isso de forma a ajudar a sua equipe; e os que acreditavam que Booker era um excelente jogador preso em um time horrível, que só precisava de companheiros à altura para que essa qualidade se traduzisse em vitórias. Os primeiros apontavam para o excesso de tempo que Booker passava com a bola nas mãos e jogando em isolação, além da defesa fraca e desinteressada, para dizer que Booker era parte do problema; a segunda turma destacava o seu número de assistências, o desgaste que sua enorme carga ofensiva trazia para o lado defensivo, e a falta de perspectiva do time como um todo para justificar os problemas. Era uma das discussões mais acaloradas da NBA, e a impressão era de quase todo mundo tinha uma opinião forte a respeito.

Esse conceito do "Jogador de estatísticas vazias em time ruim" não era uma novidade de Devin Booker - essa é uma ideia tão antiga quanto a própria NBA. E ela é baseada em alguma verdade: existe uma diferença gigantesca na NBA entre ser individualmente talentoso e ser capaz de usar esse talento de forma a impactar positivamente o resultado. Ao longo da história da NBA, temos incontáveis exemplos de jogadores que eram capazes de fazer coisas espetaculares por conta própria - em especial pontuar - mas que também tinham tantas limitações em outras áreas do jogo (ou na forma como pontuavam) que acabavam mais prejudicando do que ajudando suas equipes. Da mesma forma, muitos jogadores que não anotavam bons números tiveram grandes contribuições para o sucesso de times vencedores. Separar produção de contribuição, assim como encontrar formas melhores de medir o verdadeiro impacto de um jogador no time de basquete além dos números superficiais, é o grande desafio da revolução estatística do esporte.

No caso de Booker, você pode argumentar que ambos os lados tinham um ponto: era realmente injusto colocar na conta de Booker os fracassos dos Suns tendo em conta o quão disfuncional era a direção do time e os times horrendos que ele teve ao seu redor; ao mesmo tempo, era verdade que Booker tinha algumas limitações que se destacavam nesse contexto e que ele ainda não tinha mostrado que seria capaz de jogar da maneira mais eficiente.

As mentes mais sensatas em geral encontravam um meio termo mais adequado: por um lado, Booker era individualmente espetacular, e muitos dos seus problemas - esforço defensivo, hesitação em passar a bola, movimentação sem ela - estavam ligadas diretamente ao contexto dos times ruins ao seu redor, e seria injusto julgar ele por essas questões e como elas deixavam de contribuir para um time vencedor até que ele estivesse em uma situação adequada onde elas fossem de fato fazer a diferença. Por outro, era verdade que Booker não tinha mostrado esse refinamento no seu jogo e a capacidade de contribuir da maneira mais eficiente para um time vencedor - de novo, não por sua culpa - e era justo manter a dúvida se ele conseguiria ou não em aberto até vermos acontecendo.

Mas então veio a bolha, e os Suns se convenceram de que estavam perto de algo especial. Eles trouxeram uma peça-chave do atual campeão do Leste em Jae Crowder, alguns veteranos para compor o banco, e coroaram isso com a troca por Chris Paul para ser a peça final que colocaria o Suns como um candidato ao título. E estavam certos.

Pela primeira vez jogando em um time que estava à sua altura em termos de qualidade, Booker respondeu a todas as críticas - com louvor. Ele nunca vai ser um grande defensor, mas aumentou seu esforço desse lado da quadra e deixou de ser um negativo defensivo. Ele começou a se movimentar mais sem a bola, e usar a ameaça que oferece a defesas para abrir espaços e elevar seus companheiros. E, embora suas assistências tenham caído com Paul cuidando mais da bola, essa talvez tenha sido a melhor temporada de Booker como playmaker, disparando alguns passes verdadeiramente absurdos com as duas mãos, de todos os ângulos. Foi o ano que Booker mais jogou coletivamente e direcionou seus esforços para o bem do grupo, e fez isso sem perder a característica de pontuação espetacular que fez dele especial em primeiro lugar.

E os resultados obviamente vieram, com Booker dando show nos playoffs e levando os Suns até as Finais da NBA - ainda que, por vezes (em especial nos últimos jogos das Finais) nós tenhamos vistos alguns dos problemas antigos de Booker, segurando a bola em função do próprio arremesso mais que o ideal. E embora ele tenha calado muitas das críticas de forma contundente, eu não acho que isso necessariamente tornasse os questionamentos anteriores inválidos - os extremos que declaravam que Booker era um jogador de estatísticas vazios e seria incapaz de contribuir em um time vencedor, sim, é claro, mas não é um problema deixar a questão em aberto antes de termos mais informações para tirar conclusões. E agora nós temos.

Vai ser interessante ver se essa trajetória de Booker muda a percepção de alguns jogadores presos em estigmas semelhantes. Sugestões nessa linha - bons jogadores com ótimos números individuais, mas que tem falhas evidentes em um time que mais perde que ganha - incluem nomes como Zach LaVine, Karl-Anthony Towns e (em menor grau) Bradley Beal. Todos eles, em algum momento dos últimos anos, receberam críticas semelhantes ou tiveram que lidar com esse estigma de terem uma produção "vazia", de alguém que produz para si mesmo mas não consegue transformar isso em sucesso coletivo, seja por ser individualista ou por causa de falhas no seu jogo de modo geral. O sucesso de Booker, depois de passar pelas mesmas críticas, pode fazer com que muitos olhem por um prisma mais favorável jogadores em situações parecidas.

Mas o ponto central é que não tem uma regra universal sobre como analisar ou tratar esses jogadores. Nós evoluímos muito nos últimos anos em como analisar o impacto completo de um jogador e separar contribuição de produção, mas ainda temos muito chão pela frente; e, mesmo assim, nós sabemos que por vezes uma mudança no ambiente pode mudar por completo a forma de jogar de um atleta, para bem e para mal. Nenhuma análise vai ser perfeita. A lição do caso Booker, para mim, não é que todos os jogadores nessa situação terão grandes saltos ou contribuirão de forma vencedora assim que o time ao seu redor melhorar, mas que é importante evitar as conclusões precipitadas extremas, e simplesmente deixar as portas abertas ao admitir que tem coisas que não podemos saber de véspera.

Por exemplo, eu acho que Zach LaVine, por melhor que seja, tem falhas no seu jogo que estão diretamente ligadas aos problemas que impedem seus times de serem melhores; eu também acho que Towns, ainda que tenha seus poréns, é um jogador espetacular que sempre esteve em péssimas circunstâncias e que pode ser um candidato a MVP no time certo. Mas até nós termos mais informações e condições práticas de avaliar esses jogadores, nós só podemos especular a esse respeito. Da mesma forma, não tem problema também apontar as falhas desses jogadores e como elas podem estar atrapalhando seus times, mas é importante lembrar que essa análise, como qualquer outra, sempre acontece dentro de um contexto específico e não é definitiva. Não saber tudo é parte do que faz analisar basquete tão interessante, e estar aberto para novas surpresas é essencial para seguir esse caminho. E, por ora, eu só estou feliz por termos finalmente descoberto o que Devin Booker pode ser com o time certo ao seu redor - e a resposta é muito positiva.