Não é de hoje que o ciclismo está entre as modalidades que mais sofrem com o abuso de doping, em casos que a cada ano são escancarados pelas próprias entidades que dirigem o esporte. Mas não é apenas quem faz uso de substâncias ilícitas quem "sofre". Alguns dos mais prejudicados são os que correm de forma honesta. Para o brasileiro Luciano Pagliarini, um dos maiores nomes do país, a desconfiança em torno da profissão quase encerrou sua carreira.
"Pensei em parar de correr de bicicleta", admitiu o paranaense, em entrevista ao
UOL Esporte. "Você é tratado como culpado até que prove o contrário". Correndo pela Saunier Duval, ele se viu no meio de escândalos de doping nesta temporada. Os italianos Riccardo Riccò e Leonardo Piepoli, seus companheiros de equipe, foram pegos com Cera, uma evolução do estimulante EPO, em exames realizados durante a Volta da França. O incidente causou uma crise no time.
Com dois ciclistas flagrados, a Saunier Duval acabou deixando o Tour, principal competição do ciclismo. "Eles se sentiram na obrigação de sair. A vergonha foi tão grande que abandonaram", contou Pagliarini, que não esteve na prova, mas sofreu com as conseqüências. A primeira desconfiança partiu da própria equipe, que perdeu parte dos patrocinadores. "Depois do caso do Riccò, ficamos suspensos. A equipe quis garantir que todos estavam limpos e deixou todos em casa por dois meses, enquanto tudo não estivesse resolvido. Pagamos o pato pelos dois, e não quero viver este tipo de situação por causa dos outros."
A irritação foi grande, uma vez que os ciclistas se encontravam no meio da preparação para as Olimpíadas e a parte final do calendário de provas. Assim, o ciclista decidiu deixar o time. Aos 30 anos - dez na Europa, onde pedala ao lado do compatriota Murilo Fischer -, o paranaense se sentiu pronto para dizer adeus, após ter realizado a maioria dos seus sonhos sobre as duas rodas. A salvação veio com um novo contrato, com uma equipe ainda em formação.
ITALIANO ERA ESPERANÇA DO TIME |
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Italiano chegou a vencer etapa na França |
Com apenas 24 anos, Riccardo Riccò foi de esperança a decepção na Saunier Duval. O ciclista italiano era uma das revelações do time e chegou a vencer duas etapas da Volta da França deste ano. No entanto, um exame antidoping detectou a presença de Cera, evolução do estimulante EPO, ocasionando sua suspensão da tradicional competição. "Ele era considerado um novo fenômeno e acabou chamando atenção só pelo doping", lamentou o brasileiro Luciano Pagliarini. |
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VINOKOUROV AINDA JURA INOCÊNCIA |
Agora, Pagliarini defenderá os franceses do TelTech H2O, com um plantel em formação, mas que se espera fazer bonito nas principais provas do calendário profissional como o Tour e as Voltas da Espanha e da Itália. "É um grupo novo, o que tem me deixado empolgado. Vamos poder continuar batalhando e fazendo as coisas do jeito certo", disse o brasileiro, que voltou da Europa e iniciou sua preparação para 2009 pedalando nas estradas do Paraná.
Mesmo com a nova fase em progresso, ele terá de continuar lutando contra o preconceito. "Já passei por muitas situações assim, mas procuro apagar da minha mente. Com certeza o ciclista já ficou taxado. É como dizer que todo político é ladrão. Já senti muito disso, mesmo durante os exames antidoping", explicou o brasileiro, que de acordo com as regras do ciclismo, está sujeito a testes surpresa, que podem acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar.
Acostumado com as cobranças e pressões, Pagliarini se prepara para continuar pedalando, deixando as preocupações para trás. "Nem penso mais nisso, quero olhar para o futuro", afirmou ele, que ainda não conhece seu calendário e não sabe se participará do Tour de 2009. "Ciclismo requer muita dedicação, então tem que valer a pena até pela ilusão, o prazer. Se voltar a sofrer, é porque é hora de fazer outra coisa", concluiu o brasileiro, que defendeu as cores do país nas duas últimas edições dos Jogos Olímpicos.