UOL Esporte Lutas
 
19/05/2009 - 07h15

Projeto social que ensina boxe chega ao seu terceiro viaduto em SP

Maurício Dehò
Em São Paulo
Em 2004, o ex-pugilista Nilson Garrido desafiou o senso comum. Deixou sua casa para fundar um projeto social que mistura sua paixão, o boxe, com lugares considerados inóspitos na cidade de São Paulo, os viadutos. Sob pontes que se tornaram casas de desabrigados e pontos de tráfico de drogas, surgiu o Projeto Cora-Garrido, muito mais do que uma academia de boxe, um trabalho social com esporte e cultura.

Em 2009, este pernambucano de 53 anos, criado na capital paulista desde bebê, chega ao seu terceiro espaço, ampliando seus objetivos e "deixando para trás" outros dois locais. Além dos projetos na Rua Avanhandava e sob o Viaduto Alcântara Machado, ambos no Centro de São Paulo, uma nova ponte sofreu a intervenção, no bairro de São Miguel Paulista, na Zona Leste da cidade.

O primeiro passo foi dado há cinco anos, em um pequeno espaço na região do Anhangabaú. Mas foi no bairro do Bixiga - sob uma ponte que não está mais aos cuidados de Garrido - que floresceu a iniciativa, marcada tanto pelos ringues e geladeiras velhas usadas como saco de pancada, como pelo trabalho em retirar pessoas da rua e tentar uma integração delas na sociedade.

"Por onde eu passo, monto uma fortaleza e deixo lá os guerreiros nos viadutos. Quando chego num lugar, as pessoas já conhecem quem é o Garrido", afirmou Nilson. Algo que virou hábito do ex-pugilista é fundar um espaço, deixá-lo pronto e dar o próximo passo. Hoje, um dos espaços é administrado pelo filho, o também ex-lutador Fábio Garrido. O outro tem supervisão de Jaílton de Jesus, que catava lixo na rua quando conheceu o mentor do projeto e também se arrisca no quadrilátero.

Em São Miguel Paulista, Garrido chegou sozinho para desbravar o local. "Passei uma vez por aqui e vi que este viaduto merecia ter algo para as pessoas. Era tudo lixo, morava um pessoal da pesada e achei que podia mudar a cara deste pedaço". Depois de fazer um vídeo mostrando as dificuldades sob aquele viaduto, a prefeitura cedeu o espaço.

Entre os empecilhos, toneladas de lixo jogadas sob o viaduto, resistência de moradores e condições precárias. Dormindo em um sofá desgastado pelo uso, ele ainda espera a prefeitura municipal instalar água e melhorar as condições de luz no local, pouco mais de um mês após a ocupação.

PROJETO VIROU PROGRAMA DE TV
Arquivo/FI
O ex-pugilista Nilson Garrido no primeiro espaço, no bairro do Bixiga; hoje, já são três locais que recebem o projeto social de boxe
Arquivo/FI
Jaílton de Jesus é um exemplo de pessoa trazida para o projeto em São Paulo; ele é
o responsável por um dos locais atualmente
Contando com um habitat nada convencional e participantes com ricas histórias de vida, o projeto de Garrido é alvo da curiosidade, gerando interesse para estudos, projetos e reportagens. Um deles, realizado entre 2008 e 2009, terminou como um programa de TV, mostrando um pouco da vida do mentor da iniciativa e as pessoas que convivem com ele.

Garrido foi uma das estrelas da série de
quatro programas chamada "O Louco dos Viadutos", exibida pela TV Cultura neste início de ano, com direção de Eliane Caffé. Na mini-série, um misto de realidade e ficção retratou o trabalho, usando atores e também os próprios participantes do projeto, que interpretaram a si próprios nas telas.
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"O pessoal daqui ajuda", conta ele. "Eles têm vontade de ver o projeto crescer o mais rápido possível. Estamos sem água, sem luz, sem nada, cheio de lixo... Mas estamos sobrevivendo". Garrido já conta com a ajuda da prefeitura em seus outros espaços e, após visitas do subprefeito de São Miguel Diógenes Martins, espera ter a situação resolvida em breve.

Fora o apoio da prefeitura, cedendo espaço, luz e água, todo o restante é fruto de doações. Tanto a comida servida quanto materiais esportivos, livros e demais objetos são de moradores e colaboradores. Para quem quer treinar e frequentar o local, a contribuição em dinheiro não é obrigatória. Atualmente, passam pelo local entre 100 e 400 pessoas por dia, mas a expectativa é de um aumento no número, com a finalização das obras.

Esporte e socialização
Até aqui, uma pequena academia com equipamentos doados já foi montada em São Miguel Paulista. Um saco de pancadas e um pneu de caminhão também estão prontos para os novos alunos de boxe. O ringue já teve sua montagem iniciada. "O boxe é a essência do projeto. Jamais vamos deixar de ensinar", explica Garrido. Seus métodos rústicos de treinos, com geladeiras e molas de caminhão são polêmicos e a falta de um espaço adequado geram recorrentes críticas dos especialistas na modalidade.

Mas não é só o boxe que aparece sob o viaduto. Em outros espaços, já há aulas de capoeira e outras lutas, sendo que sob a Ponte Alcântara Machado, além de dois ringues, há uma pista de street para skate e bicicleta. Garrido agora terá quadras de futebol, mesas de xadrez e dama - já pertencentes ao local. O projeto mais utópico do excêntrico ex-pugilista é fechar parte do canal que passa ao lado do local e montar uma pista para treinos de atletismo.

"Para mim, esporte é vida, amor, solidariedade. É saber que por meio dele estamos reeducando as pessoas e dando consistência de vida para elas na sociedade", completou o pernambucano, que também oferece uma vasta coleção livros para os participantes e repassa doações recebidas, como a de roupas.

Pela legalização
Apesar de já ser conhecido pelo grande público, o projeto ainda passará por uma parte importante para ser reconhecido, segundo Garrido. Ele e seus companheiros já tem trabalhado para profissionalizar o projeto. Este ano, deve ser fundada uma associação e, em 2009, espera-se trabalhar como uma organização não governamental (ONG).

"Tem muita gente que diz que eu tenho tudo, mas não tenho nada. Então, vamos cuidar desta legalização do projeto, para que ele tenha mais reconhecimento e respeito da sociedade", explicou ele.

A expectativa de Garrido em São Miguel Paulista é formar um programa semelhante a trabalhos como o Clube Escola, da prefeitura de São Paulo. Ele funciona como uma extensão das escolas, oferecendo de graça aulas de esporte para crianças e jovens.

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