Topo

Algoz dos EUA, pivô brasileiro precisou de caridade para combater doença

Gerson Victalino, pivô da seleção brasileira no Pan de 1987 - Reprodução/Facebook
Gerson Victalino, pivô da seleção brasileira no Pan de 1987 Imagem: Reprodução/Facebook

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

30/04/2020 04h00

Uma rede de solidariedade havia se formado entre amigos para ajudar o ex-pivô da seleção brasileira de basquete Gerson Victalino, um dos ícones de sua posição no país. Campeão pan-americano em decisão histórica contra os Estados Unidos em 1987, Gerson morreu ontem (29) aos 60 anos.

Tratando das consequências da esclerose lateral amiotrófica (ELA), ele passava por dificuldades financeiras no sobrado alugado onde morava com a família em Belo Horizonte.

Desde que souberam do diagnóstico da doença degenerativa, no ano passado, colegas da seleção e amigos próximos se mobilizaram para arrecadar doações ao ex-pivô, considerado um dos melhores da posição na história do basquete brasileiro.

Sérgio Tostes, o "Boné", era um dos organizadores das ações. Ele se articulava para criar uma associação em nome de Gerson quando foi surpreendido com a notícia de sua morte. Os "amigos de Gerson", nome do grupo do Whatsapp, já haviam conseguido uma ajuda de custo mensal de R$ 2 mil e alugado uma casa adaptada para o ex-jogador, que após o avanço da doença passou a se locomover de cadeira de rodas. Ele tinha dificuldade de subir as escadas do sobrado onde morava.

Outras doações também possibilitaram a compra de uma "super cesta básica" doada há duas semanas a Gerson, revelado pelo Ginástico de Minas Gerais e com passagens pelo Corinthians, Manresa, da Espanha, Sport e Remo, entre outros.

"Hoje nós íamos mostrar a conta que abrimos para administrar as doações. A ideia era contratar um cuidador porque a esposa dele parou de trabalhar pra ajudá-lo. As doações seriam pra comprar remédio, pra alimentação, pro dia a dia deles", conta Boné, um dos amigos mais próximos do ex-pivô.

Os amigos agora pretendem estender as ações à família de Gerson.

Gerson - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

A rede de solidariedade contou com amigos como Marcel, Guerrinha e Israel, companheiros de Gerson na campanha histórica que garantiu o ouro ao Brasil no Pan de Indianápolis. Foi a primeira vez que seleção norte-americana perdeu uma partida dentro de casa.

A vitória brasileira é considerada um ponto de inflexão na história do basquete olímpico, já que a partir daquele ano, os Estados Unidos passaram a pressionar o Comitê Olímpico Internacional a permitir que profissionais atuassem nos Jogos, o que permitiu a existência do "Dream Team" em Barcelona-92.

"O Brasil não sabe como esse cara foi grande", comentou Marquinhos Abdalla, um pivô que jogou com Gerson na seleção e foi o primeiro brasileiro draftado pela NBA. "Em qualquer país do mundo um jogador como ele seria muito reverenciado".

Com 2,04 metros, Gerson era responsável pela batalha pela bola no garrafão, mas sua velocidade e habilidade, incomuns para alguém com sua estatura, também lhe permitiam puxar contra-ataques e imprimir dinâmica à partida.

"O Gerson era um jogador muito inteligente", disse o armador Guerrinha, outro campeão pan-americano em 1987. "Ele aprendia muito bem as coisas, era bem informado, tinha um nível intelectual muito bom. E tinha um físico diferenciado. Era muito longilíneo para dar toco. A gente brincava que ele era um filhote de doberman."

Gerson teve uma trajetória diferente até chegar à seleção, tendo começado a jogar basquete tardiamente aos 18 anos. Após fazer curso profissionalizante no Sesc e trabalhar como marceneiro, foi apresentado à bola laranja por um técnico do Ginástico que se impressionou com sua estatura e lhe ensinou os primeiros movimentos.

"O basquete salvou Gerson", manchetou a revista "Placar" em maio de 1982. "O menino humilde encarou o desafio e superou com raça todas as barreiras até tornar-se um dos grandes nomes da seleção brasileira."

"Eu era o companheiro de quarto dele, e ele roncava muito", diz Guerrinha, cuja lembrança mais marcante do amigo é seu bom-humor e riso fácil. "Tinha um treino em fomos correr na praia em São Sebastião e estava meio frio, ele foi na frente com o maior bico, e tinha que pular um rio. Ele caiu e ficou que nem um camarão à milanesa, todo empanado de farinha. Tiramos muito sarro dele nesse dia."

Primeiros sinais da doença apareceram em quadra

Mesmo depois de se aposentar, Gerson não parou de jogar basquete. Em partidas no circuito de veteranos pelo Brasil, o pivô se encontrava com amigos, se divertia e tirava fotos com fãs, como a também jogadora Crissia Castro, dona de uma página sobre o basquete de veteranos, que mais tarde se engajaria na campanha solidária em apoio a Gerson.

Mas foi em uma dessas peladas que ele começou a sentir os primeiros sinais da esclerose lateral amiotrófica.

Boné, que sempre o acompanhava em treinos e jogos pós-aposentadoria, notou as constantes quedas que o pivô vinha sofrendo em quadra.

"Já víamos ele perdendo a força. No ano passado ele começou a cair muito no chão, coisa que nunca fez. Diminuiu o ritmo das peladas porque estava cansado, com as pernas doendo."

Em dificuldades financeiras, fruto de uma vida de descuidos orçamentários, Gerson contou com a ajuda de amigos, que o levaram à Universidade Federal de Minas Gerais, onde iniciou seu tratamento. Mesmo assim, a doença (mais conhecida por ter acometido o físico britânico Stephen Hawking) avançou o debilitou de maneira irreversível nas últimas semanas.

"Conversei com ele quatro dias atrás", lembra Guerrinha. "Ele tinha caído e quebrado os dentes. Ontem eu mandei um recado pra ele de manhã, se ele quisesse conversar a gente estava querendo dar esse tipo de apoio, mas ele não respondeu. Ele estava bem em paz."

Em 2012, Gerson foi barrado ao tentar acompanhar um treino da seleção, que se preparava para a Olimpíada de Londres, o que lhe causou mágoa, dizem seus amigos.

"Aqui no Brasil ele foi muito mal reconhecido, a imprensa não soube dar valor a ele", comenta Marquinhos Abdalla. "Mas o valor dele foi impressionante."

Gerson Victalino deixa mulher e quatro filhos.