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Kwai e TikTok chegam às eleições com poder viral e campanhas fora de época

Feeds de TikTok e Kwai já indicam a polarização eleitoral de 2022 - Reprodução
Feeds de TikTok e Kwai já indicam a polarização eleitoral de 2022 Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

10/07/2022 04h00

Com vídeos de até três minutos, dancinhas e virais, a corrida eleitoral vem sendo pavimentada no Kwai e no TikTok. Os aplicativos das duas redes sociais foram os mais baixados pelos brasileiros em 2021, segundo a agência App Annie e, na visão de especialistas ouvidos pelo UOL, têm potencial de influência na disputa eleitoral deste ano.

"As redes sociais são os espaços em que a esfera pública se articula. Se antes isso se dava em centros políticos, escolas, universidades e bairros, agora vemos esse debate em um espaço um pouco mais evidente, que é o espaço das redes sociais", explica Issaaf Karhawi, estudiosa de influências digitais e redes sociais.

Dados da Comscore apontam que, no Brasil, dos 126,5 milhões de habitantes com acesso à internet, 97,6% usam redes sociais. Do total de conectados, 58% são usuários do TikTok e 35%, do Kwai. Segundo a App Annie, o brasileiro gasta, em média, 5h40 do seu dia em aplicativos, onde consome boa parte das informações do noticiário nacional.

Com a ampliação do uso das redes sociais, as campanhas não ocorrem apenas nas eleições, diz Ivan Paganotti, pesquisador sobre fake news e pós-verdade. As campanhas continuam ativas mesmo fora do período eleitoral.

"A verdade é que eu sinto falta de quando as campanhas políticas só apareciam de quatro em quatro anos, ou no máximo de dois em dois", afirma.

Para Karhawi, é "um equívoco" separar online, offline, e virtual do real: "Essa separação não existe mais". Ela menciona as campanhas para que os jovens tirassem os títulos de eleitor como exemplos do impacto que as redes podem provocar no cenário eleitoral.

"Há pouco vimos campanhas de celebridades e influenciadores convocando esses jovens para tirar o título de eleitor. São jovens que já estão mobilizados por conta da internet e têm se engajado politicamente por causa das redes sociais", afirma.

Funcionamento

A linha do tempo principal dos dois apps é composta, em sua maioria, por vídeos de perfis que o usuário não segue. A distribuição é feita por um algoritmo que avalia as preferências individuais. Para isso, apresenta todo o tipo de conteúdo e leva em consideração o engajamento (compartilhamento, curtida ou comentário) e o tempo gasto pelo usuário assistindo aos vídeos. Para os criadores de conteúdo, a viralização das publicaçõles é mais importante do que o total de seguidores.

O objetivo final da linha do tempo é apresentar um conteúdo personalizado, com o envio de vídeos que mais correspondem ao perfil. Há também a opção de visualizar os vídeos classificados de acordo com hashtags, num formato não muito diferente do que ocorre no Instagram e no Twitter.

Enquanto o TikTok ficou conhecido pelas dancinhas, o Kwai se popularizou pelos esquetes de humor e atuações novelescas, atraindo públicos diferentes e apresentando ferramentas distintas para os discursos políticos. No Kwai, diferentemente do TikTok, há uma lista que aponta os principais assuntos do dia.

Uso político das plataformas

O TikTok chegou ao Brasil em 2014 com o nome de "musical.ly", voltado para edição de vídeos curtos e musicais como forma de entretenimento. A mudança de nome ocorreu em 2018, mas o propósito se manteve. Tanto o perfil dos usuários quanto a proposta de uso não abria muito espaço para manifestações políticas.

O debate político chegou à plataforma com a popularização recente do TikTok. Por ser uma rede social com muitos influenciadores pagos para produzir conteúdo, é vedado, a eles, postagens financiadas por políticos ou com objetivos políticos e eleitorais.

Lançado em novembro de 2019 no Brasil, o Kwai surgiu com a promessa de remuneração para usuários que curtissem e compartilhassem seus vídeos massivamente. Ao UOL, a plataforma afirmou ter maior presença nas regiões Norte e Nordeste do país e entre a faixa etária acima dos 30 anos. Já o TikTok não divulga dados de perfil dos seus usuários.

No Kwai, a presença de militantes e políticos ligados à direita se sobressai. "A direita faz um excelente uso das redes sociais, vem fazendo há um bom tempo, e também por conta de investimento financeiro nessas redes", observa Karhawi.

Um exemplo da pesquisadora é o uso que a família do presidente Jair Bolsonaro (PL) faz das redes, variando a abordagem de acordo com a plataforma: "Já construíram uma presença digital que não pode ser desconsiderada e que pode gerar frutos em termos de campanha."

Bolsonaro criou um perfil no TikTok em outubro de 2021 (atualmente com 1,8 milhão de seguidores) e uma conta no Kwai em maio de 2022 (hoje com 1,2 milhão de seguidores). Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um perfil no TikTok apenas em junho deste ano (seguido por 128,8 mil usuários)— ele não possui uma conta no Kwai.

A popularização dos apps criou nichos políticos específicos, principalmente no TikTok, elencados na na linha do tempo do usuário de acordo com o algoritmo. Há duas hashtags que exemplificam essa polarização, a #leftiktok e a #rightiktok (do inglês, "tiktok de esquerda" e "tiktok de direita", respectivamente).

São os próprios usuários — geralmente militantes, e não políticos — que classificam os conteúdos, que aparecem também combinados com outras hashtags, como #comunismo, #feminismo, #socialismo, #liberalismo, #capitalismo e #anticomunismo.

Segundo Karhawi, a presença da esquerda nas redes é mais recente: "A #leftiktok tem sido abastecida por criadores de conteúdo originais do YouTube ou do Instagram que migraram para o TikTok para pautar uma discussão política no app."

Com o limite de tempo reduzido nos vídeos, ela afirma que, mesmo que a abordagem de determinados conteúdos fique superficial, a ideia de mensagens curtas já é trabalhada há anos por políticos com menor tempo de campanha na televisão.

"É evidente essa superficialidade", afirma. "Mas às vezes a gente se esquece de que a discussão política na televisão, nas campanhas eleitorais, também tem 15 segundos, sete segundos, um minuto dependendo do candidato", acrescenta.

Combate às fake news inclui parceria com TSE

Assim como em outras redes, TikTok e Kwai também são locais de disseminação de notícias falsas. "Tudo o que a gente conhece de desinformação que circula em vídeo, circula nessas plataformas", diz Karhawi.

Em nota enviada ao UOL, o TikTok afirmou que "proíbe desinformação eleitoral e trabalha com organizações independentes de verificação de fatos que ajudam a avaliar o conteúdo para que as violações das nossas Diretrizes da Comunidade possam ser removidas assim que identificadas."

Já o Kwai afirmou que "protege a liberdade de expressão, mas não tolera conteúdos que tenham o potencial de prejudicar o processo democrático pela distribuição de informações falsas, enganosas, manipuladas ou prejudiciais a indivíduos e instituições."

Os aplicativos firmaram parcerias com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no combate à desinformação. Em junho deste ano, em meio a acusações sobre a legitimidade das urnas eletrônicas, inclusive por parte de Bolsonaro, o TSE publicou no Kwai um vídeo abrindo uma urna eletrônica.

kwai - Reprodução/Kwai - Reprodução/Kwai
Segundo o Kwai, foi a 1ª vez que uma rede social mostrou como é a urna eletrônica por dentro
Imagem: Reprodução/Kwai

As penalidades para quem criar e compartilhar fake news incluem a redução do conteúdo enganoso, a exclusão do vídeo e até a suspensão ou banimento dos perfis.

"Foi o caso do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, banido de várias redes sociais após incitar atos anti-democráticos", lembra Paganotti.

Outra questão é a posição dos influenciadores em relação à política. "Os influenciadores digitais não podem fazer publipost [publicação publicitária] com conteúdo eleitoral porque isso é considerado propaganda eleitoral paga na internet, o que é vedado pela legislação", explica Karhawi.

Isso não impede a filiação a partidos, a participação de campanhas nas ruas e até a criação de conteúdos políticos nos perfis — contanto que os posts não sejam monetizados.

Para Karhawi, é tênue a linha do que se pode penalizar ou não em relação à expressão política.

"Se as plataformas começarem a definir o que pode e o que não pode falar sobre política dentro das plataformas, pode ser que a gente tenha um problema nesse sentido."