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Data de Bolsonaro para 'fim da pandemia' coincide com início de campanha

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

17/03/2022 04h00Atualizada em 17/03/2022 11h27

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer ontem, em entrevista, que o governo pretende decretar o fim da pandemia de covid-19 no Brasil. A afirmação tem sido feita desde o início do mês, mas agora existe uma previsão de data: segundo Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quer publicar até o final de março uma portaria que rebaixa para o status de endemia a condição da doença no país.

O UOL procurou a pasta da saúde, que não confirmou a intenção de revogar o status da pandemia. Se confirmada, a decisão vai atropelar a OMS (Organização Mundial da Saúde), que é responsável por fazer essa alteração. Para Bolsonaro, porém, a manobra poderá ter impacto eleitoral. É também no final de março, no próximo dia 26, que o presidente lançará oficialmente sua campanha à reeleição em outubro.

  • Veja essa e mais notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:

A disposição de Bolsonaro para lutar contra medidas de prevenção à covid e suas críticas e mentiras sobre vacina, ao longo da pandemia, tiveram reflexos em seu eleitorado. Segundo uma pesquisa da Quaest Consultoria, divulgada hoje pela Genial Investimentos, os participantes que declaram voto no atual mandatário estão menos preocupados com a doença do que os apoiadores dos demais candidatos.

A pesquisa aponta, por exemplo, que 31% dos bolsonaristas querem autorização para não usar máscaras em qualquer ambiente, mesmo os fechados. Essa fatia é de 11% entre os eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 18% com os apoiadores de outros candidatos. Enquanto 51% dos que declaram voto no petista defendem que a máscara deve continuar obrigatória em todos os locais, essa parcela cai para 22% entre os partidários de Bolsonaro.

O presidente se mostrou afinado com esse entendimento na entrevista dada à TV Ponta Negra, filiada do SBT no Rio Grande do Norte, a mesma em que declarou a intenção de decretar o fim da pandemia no país. "Realmente não se justifica mais todos esses cuidados no tocante ao vírus. Todo mundo vê que praticamente acabou isso daí", disse ele na contramão do que a OMS (Organização Mundial da Saúde), que alertou ontem para um novo aumento de casos da doença pelo mundo.

Ontem, Bolsonaro também reforçou dois argumentos que têm sido usados por governistas desde o ano passado e deverão ser reiterados durante a campanha: de que o governo garantiu vacinas para a população em tempo hábil, diferentemente do que afirma a oposição, que o responsabiliza pela demora em comprar imunizantes, e de que ele acertou em combater as medidas de isolamento social — defendidas por especialistas em saúde — porque elas prejudicaram a economia — alegação da qual economistas discordam.

Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde não confirmou que vai rebaixar o status da pandemia. O que pode ser encerrado, segundo a pasta, é o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), o que será decidido "em conjunto com outras pastas e órgãos competentes".

Este estado de emergência, que estabeleceu as primeiras medidas de combate à covid por parte do governo, foi decretado por meio de uma portaria publicada em 3 de fevereiro de 2020, quase dois meses antes de a OMS declarar a pandemia. As medidas, portanto, não têm relação direta entre si.

Cientistas apontam erro

Segundo a definição da OMS, o que diferencia a epidemia da pandemia é o alcance geográfico: enquanto a primeira é um surto da doença em determinada região, a situação passa a ser pandêmica quando se espalha por diferentes continentes, com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

Cientistas consultados pelo colunista Carlos Madeiro, do UOL, afirmam que rebaixar o status da pandemia agora será um erro. De acordo com os especialistas, a revogação dessa condição pode justificar o desmonte da estrutura de combate ao coronavírus no país, impactando desde o financiamento de medidas de saúde pública até o controle de fronteiras.

Anteontem, a média móvel de mortes pela covid nos últimos sete dias chegou a 388, ficando abaixo de 400 pela primeira vez desde o final de janeiro. Ontem, o número caiu para 354. Apesar disso, a doença ainda é a que mais mata no país: em fevereiro, 18.938 brasileiros perderam a vida devido à enfermidade, número superior aos das vítimas de pneumonia, septicemia e AVC.

Estados e municípios, no entanto, têm acelerado o relaxamento de medidas de prevenção. Até ontem, 19 das 27 capitais brasileiras já haviam abolido, pelo menos parcialmente, a exigência de máscaras para a população.