Interações são recorde na eleição, mas redes não alcançam todo eleitorado

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

"Gente, quem perdeu família ou amigos por causa dessa eleição, vamo combinar de passar o Natal junto", diz postagem de ‏@thaisss, publicada no Twitter, no dia 17 de outubro. A frase conta muito sobre o clima dentro das redes sociais quando o assunto é eleições – principalmente eleições presidenciais - e exemplifica o nível inédito de interações entre usuários da rede durante um pleito presidencial no Brasil.

Apesar de não informar dados relacionados às eleições presidenciais de 2010, o Facebook divulgou um dia após a realização do primeiro turno que o número de interações registrado no Brasil foi recorde mundial. Foram 346 milhões de comentários, curtidas e compartilhamentos entre 5 de julho e 5 de outubro, realizados por mais de 44 milhões de pessoas - o que significa 49,4% dos usuários da plataforma.

A marca é superior à atingida pela Índia durante as eleições deste ano no país, que teve 227 milhões de interações. A Índia tem o maior eleitorado do mundo, com mais de 800 milhões de pessoas e mais de 100 milhões de pessoas cadastradas no Facebook, enquanto a quantidade de brasileiros na plataforma é de 89 milhões.

O Twitter no Brasil também não dispõe de dados relacionados às eleições em 2010 e afirma, por meio de assessoria de imprensa, que um balanço total do número de interações na plataforma será divulgado na semana seguinte ao segundo turno. A plataforma informa, no entanto, em um dos seus boletins relacionados às eleições, que de 6 de julho a 21 de setembro – duas semanas antes do primeiro turno – foram registradas 956 mil menções relacionadas aos três principais candidatos à Presidência - Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB).

Sem dispor de dados fechados, o diretor de Jornalismo e Política do Twitter, Leonardo Stamillo, afirma que essa pode ser considerada a eleição mais interativa para o Twitter no Brasil.

"Gráficos mostram que os assuntos mais repercutidos na rede têm relação com os temas discutidos em debates presidenciais, por exemplo. E, neste ano, os próprios candidatos estão muito mais presentes na plataforma do que na eleição passada", conta.

Especialistas afirmam que o grande volume de interações relacionadas às eleições tem relação direta não apenas com o aumento no número usuários, mas com o crescimento do acesso à internet no Brasil.

Segundo dados do Ministério das Comunicações, entre janeiro de 2010 e o primeiro semestre de 2014, houve um aumento de mais de 1.000% no número de celulares conectados à rede através da banda larga móvel. Em relação à banda larga fixa, entre maio de 2010 e maio deste ano, o crescimento foi de quase 180%.

Além disso, ainda hoje cerca de 10% dos domicílios possuem internet discada, de acordo com Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação, órgão vinculado ao Comitê Gestor da Internet.

Esse crescimento possibilitou a ampliação do número de usuários das plataformas. Para ter uma ideia, o Facebook tinha 6 milhões de usuários em julho de 2010, número que passou para 89 milhões em outubro deste ano.

O Twitter afirmou que não divulga dados sobre o número de usuários que possui no Brasil, mas segundo Leonardo Stamillo a quantidade triplicou entre 2011 - quando foi inaugurado o escritório do Twitter no Brasil - e 2014.

 

2010 X 2014: o que mudou?

As eleições deste ano foram marcadas por uma interação mais direta entre candidatos à Presidência e eleitores através das redes sociais. O caso icônico foi o do candidato do PV, Eduardo Jorge, que respondia pessoalmente a perguntas dos internautas através da sua conta no Twitter, mesmo as mais engraçadas e irônicas.

Mas houve também outros tipos de interações, como a publicação de vídeos enviados por eleitores nas páginas das campanhas no Facebook, e o uso de hashtags no Twitter como a ação #CoqueTaNaModa, criada pela equipe de Marina Silva para engajar os eleitores da candidata na rede através do penteado.

O diretor de Jornalismo e Política do Twitter afirma que outros exemplos de interação direta entre usuários e candidatos já haviam sido registrados em 2010, mas em um volume menor.

"Marina Silva foi uma das pioneiras a usar essa ferramenta nas eleições passadas, assim como Plínio Salgado (PSOL), que impedido de participar dos debates televisivos, discutia os assuntos propostos entre os seus seguidores da plataforma", conta.

A dissertação de mestrado da pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e professora da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Natasha Bachini, fala justamente sobre o uso do Twitter nas eleições de 2010.

Ela conta que desde a sanção da lei que permite o uso da internet para campanhas eleitorais, em 2009, os políticos vêm percebendo cada vez mais a importância do uso dessas ferramentas. 

"A principal mudança em relação às eleições passadas é que os próprios políticos tendem a produzir suas mensagens. Nas eleições de 2010, os quatro principais candidatos – Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (na época, do PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) – produziam algumas mensagens, mas a maioria era veiculada pelos seus 'staffs' (equipes de campanha). Agora, há uma personalização do uso. Claro que não são os candidatos que ficam lá postando as informações, mas as mensagens são muito mais personalizadas", conta.

Reprodução/Facebook

Ainda de acordo com ela, as estratégias das campanhas nas redes sociais passam muito pela oscilação natural que acompanham as plataformas. "Antes o Orkut era a principal rede social no Brasil, mas esse posto foi alcançado pelo Twitter, em 2010. A partir de 2012, vemos um avanço do Facebook. As campanhas e a militância acompanham esse processo", diz.

Segundo o comitê de campanha da candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT), as redes sociais são tratadas como um dos principais canais utilizados pela campanha para mostrar avanços e propostas, "considerando as possibilidades de interação e troca permanente de informações que as redes permitem entre seus usuários". O comitê não respondeu aos questionamentos estratégias usadas na rede. Procurado, o comitê de campanha do candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, afirmou que não se pronuncia sobre assuntos considerados estratégicos para a campanha, como é o caso das redes sociais.

Militância eletrônica

O professor de Marketing Político da ESPM, Emmanuel Publio Dias, afirma que  as redes sociais são a "Ágora do tempo dos gregos". "Nunca houve tanta interação e tanta gente falando de política como nessa eleição. O que é muito bom. É uma tendência que cada eleição tenha mais gente dentro dessa rede de comunicação", diz.

A possibilidade de interação rápida fez com que as campanhas prestassem mais atenção a esse tipo de comunicação. "As campanhas trabalham sobre assuntos que possam ser veiculados pelos militantes. Antigamente o militante ia de porta em porta falar sobre o candidato. Agora eles ficam em casa, postando. A militância eletrônica existe. Quem faz isso são as pessoas envolvidas no processo político e não o total do eleitorado", afirma Dias.

Já a pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e professora da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Natasha Bachini, acredita que apesar de a militância eletrônica existir, o principal fenômeno observado nas eleições deste ano é a militância espontânea. "Existe um clima de indignação e ele incita as pessoas a se manifestarem, se posicionarem. Existe uma militância contratada, mas também existe a espontânea, que é influenciada, mas é capaz de influenciar", diz. 

Natasha afirma que esse engajamento virtual pode ser capaz de influenciar posicionamentos no off-line. "As redes sociais trabalham sob a lógica das redes das relações sociais fora da internet. Mistura o ambiente virtual e real, ou seja, se eu estou conectada com aquelas pessoas é porque tenho um vínculo fora do ambiente virtual. Por isso, a informação é mais eficaz do que se passasse um carro com propaganda política", diz.

Emmanuel Publio Dias também vê com ressalvas essa capacidade de influência das redes sociais na hora do voto. "As redes sociais funcionam mais como um comício. Só vai ao comício pessoas comprometidas com a campanha, que compartilham desse clima de expectativa e da vontade de ganhar votos. Mas, existe sim a capacidade de mobilizar o voto dos indecisos. Além disso, os líderes de opinião levam para fora da rede, nos seus círculos pessoais de interação, o que ouviram/leram nas redes sociais", explica.

As redes sociais representam a população?

Apesar da importância e da força inegáveis que as redes sociais estão tendo nesta eleição, especialistas afirmam que sua influência no eleitorado deve ser vista com ressalvas, pois muitos brasileiros ainda não têm acesso a elas.

Dados da Pesquisa Brasileira de Mídia de 2014, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, sobre os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, mostram que 53% da população brasileira nunca acessam a internet e apenas 26% a acessam com uma intensidade diária. Em contrapartida, 65% da população brasileira assistem à televisão diariamente, com uma intensidade diária de 3h29 de segunda a sexta-feira e de 3h32 no final de semana.

Ainda segundo a pesquisa, o hábito de acessar a internet é mais comum entre os mais jovens que vivem nos grandes centros urbanos e fazem parte de estratos de maior renda e escolaridade.

Segundo o professor de Marketing Político da ESPM, Emmanuel Publio Dias, muitas pessoas ainda se informam sobre os seus candidatos pelos meios tradicionais de mídia. "O modelo de campanha eleitoral que se faz hoje é o mesmo que de fazia na década de 1990. Ele está superado, é preciso que haja um modelo novo e as campanhas estão falhando nesse aspecto", afirma.

De acordo com pesquisa Datafolha, divulgada em agosto deste ano, praticamente a metade do eleitorado (46%) afirmaram não ter "nenhum interesse" pelos programas eleitorais.

Natasha Bachini afirma que a televisão ainda é o principal veículo de campanha. "É ela quem mais influencia na decisão do eleitor. Mas, há uma tendência de que se intensifique a integração entre os diferentes tipos de mídia. Ou seja, que o conteúdo da TV vá para internet ou que o debate na internet vá para os meios tradicionais de comunicação", afirma. 

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