Coqueiro Baixo (RS)

Saída de churrasqueiros cria cidade 'mais velha' do país, onde idoso é mimado por político

Município tem quase 30% de moradores com mais de 60 anos

Os jovens da região rural migraram desde o final da década de 1960 para trabalhar em churrascarias, afinal, o sistema de rodízio foi inventado por um filho da terra, Albino Ongaratto, que convocou seus conterrâneos para espalhar os espetos de carne pelo país. Resultado: Coqueiro Baixo (RS) é a cidade com mais idosos do país, 29,4% da população tem acima dos 60 anos.

Bárbara Therrie, Rodrigo Bertolotto e Rodrigo Bozzi

Do UOL, em Coqueiro Baixo (RS)

Em Coqueiro Baixo (161 km de Porto Alegre) não há uma churrascaria --a mais próxima dali fica na cidade de Encantado, a cerca de 30 quilômetros. Por outro, no Brasil é difícil encontrar uma churrascaria sem ter em seu histórico um nativo dessa pequena localidade da Serra Gaúcha de 1.528 descendentes de italianos.

O UOL visitou Coqueiro Baixo dentro do projeto UOL pelo Brasil --série de reportagens multimídia que percorre municípios em todos os Estados da federação durante a campanha eleitoral.

Como efeito colateral, a migração dos jovens atrás de lucros carnívoros durante quatro décadas gerou o município mais idoso do país: 29,4% são nonnas ou nonnos, que são tratados a pão de ló pelos políticos locais, afinal, eles decidem qualquer eleição. Esse índice é quase três vezes o da média nacional (10,8% da população tem mais de 60 anos).

“Minha paixão é cuidar dos velhinhos. Eles trabalharam duro muito desde os cinco, seis anos na roça, e agora merecem aproveitar”, se vangloria o atual prefeito, Adelcio Sestari (PP), candidato à reeleição. “A grande maioria deles vota, mesmo os que já chegaram aos 90 anos. Só os que têm dificuldade de locomoção ficam de fora. Em um lugar pequeno como aqui, um voto deles decide a eleição”, diz Sestari, que ganhou o primeiro mandato em 2008 pela larga margem de 71 votos.

O próprio Sestari é um “self-made-man das picanhas”. Saiu em 1967 de Coqueiro Baixo para trabalhar à beira da BR-116 com o conterrâneo Albino Ongaratto, o criador do sistema de rodízio. Depois montou seu próprio império sanguinário à beira da via Dutra, chegando a ter sete casas entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 2007, voltou com o sonho de ser o mandatário de terra que deixou.

“Eu não sou um paraquedista como ele”, sentencia o rival Veríssimo Caumo (PMDB), que liderou a comissão de emancipação da cidade e foi prefeito entre 2000 e 2008. “Os idosos vivem felizes graças a minha administração. Aqui é a melhor qualidade de vida do Brasil”, afirma puxando a sardinha para seu lado.

Além do cenário bucólico de colinas verdejantes, vales floridos e límpidos rios de corredeira, os aposentados contam com cursos, encontros, palestras, bailes, danças e ginásticas (incluindo hidroginástica) promovidos pela prefeitura. Sete carros oficiais estão à disposição dos 449 idosos locais para deslocamento por razões médicas ou educacionais.

Tem até um coro formado por eles que entoa canzonetas para representar bem “o município da canção italiana”, título escolhido pela prefeitura, afinal, “terra dos velhinhos” ou “berço dos churrasqueiros” não ficaria tão legal.

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  • http://eleicoes.uol.com.br/2012/enquetes/2012/10/01/com-o-envelhecimento-da-populacao-brasileira-voce-acha-que-o-voto-deveria-ser-obrigatorio-ate-os-75-anos-de-idade.js

“O velho aqui vive bem. Além do salário mínimo da aposentadoria, ele recebe uma ajuda dos filhos que estão fora. Fora o leite, o ovo e os vegetais que produz na sua terrinha”, explica Luiz Bassegio, um ex-padre que voltou recentemente para a cidade.

“Agora de velha a vida ficou animada. Mas eu passei muito aperto quando os filhos eram pequenos. Aqui não tinha futuro. Nossa terra era pequena e no morro, e a turma era muito grande. O trabalho na churrascaria era duro também, mas dava um dinheirinho pelo menos”, relata Pierina Sbardelotto, 78 anos e 11 filhos (cinco deles churrasqueiros).

Sua irmã Catarina é pessoa mais velha do município, com 94 anos e três filhos espalhados em braseiros entre São Paulo e Mato Grosso. “Eu quero que a morte venha de uma vez, para terminar logo esse mundo”, dispara antes de cair na gargalhada junto com toda a parentela em uma mesa com chimarrão, vinho, doces e carteado.

Outro que trata a morte como uma visita que tarda é Humberto Ongaratto, 90. “Já construí muito túmulo porque achar pedreiro não é fácil. Quando morreu a falecida, fiz o meu ao lado dela. Quando eu morrer não quero incomodar”, conta um dos patriarcas da família fundadora da rede Fogo de Chão, que se espalhou pelo Brasil e exterior. “Meus parentes saíram pobres como ratos daqui. Hoje estão voltando riquíssimos, construindo e gastando por aqui.”

Duas casas para cima vive Egídio Mocelin, 81. Gente com seu mesmo sobrenome fundou o Porcão, que a partir do Rio de Janeiro montou uma cadeia que chegou a Miami, Nova York e Lisboa.

O curioso dessa história é que não foi nenhum gaúcho dos pampas que exportou o churrasco fora das fronteiras rio-grandenses. Foram os gringos da serra, comedores de polenta e sopa de capeletti. “Perdi meu pai quando tinha seis anos, e minha mãe aos nove. Eu fui criado pelos tios comendo polenta, porque minha família era muito pobre. Carne só no molho”, lembra o prefeito Sestari.

Ele mesmo conta a origem do sistema que fez a fortuna dos locais. “Esse Albino Ongaratto foi o pioneiro. Ele tinha uma churrascaria na BR-116 entre São Paulo e Curitiba, e eu fui seu primeiro funcionário. Os caminhoneiros reclamam muito do serviço à la carte. Ele bolou esse negócio de levar o espeto à mesa. O cliente comia em 15 minutos e ia embora.” Isso explica também o enxame de garçons quando se chega a uma churrascaria.

Dos postos, os restaurantes migram para os trevos de entrada, atraindo também os moradores da cidade. Daí também vem a tradição de cobrar mais barato para os caminhoneiros que para o motorista de carro de passeio, afinal, a regra era “onde tem caminhão estacionado tem boa carne”. O próximo passo foi entrar na cidade, com carnes mais selecionadas, preços mais salgados, clientes menos gulosos e lucros maiores. Hoje, quem saiu de lá há 30 ou 40 anos para fazer a vida retorna para o mesmo vale que parece um enclave da Itália, onde é mais fácil ouvir o italiano (ou os dialetos vêneto e bergamasco) do que o português.

O sonho migrante finalmente se realiza, com a riqueza e volta triunfal. O mesmo sonho que não conseguido pelos antepassados que trocaram o norte da Itália pelo sul do Brasil. E eles cantavam no caminho: “Merica, Merica, Merica, cosa sará questa Merica?” (“América, América, América, que coisa será essa América?”). Os bisnetos e tataranetos fizeram a América na base da carne na grelha.

Diário de Bordo

  • Rodrigo Bozzi/UOL

    Saiba mais curiosidades das cidades visitadas no UOL pelo Brasil

Lama pra todo lado

  • Rodrigo Bozzi/UOL

    Todos os acessos para Coqueiro Baixo são por estrada de terra. O asfaltamento deles é promessa dos dois candidatos a prefeito. De qualquer forma, eles culpam os últimos governadores pelo atraso (a empresa que ganhou a licitação entrou em concordata). O cálculo é que a economia local cresça 5% ao ano com a chegada do asfalto, o que ajudaria aos jovens continuarem por lá.

Região dos velhinhos

Além de Coqueiro Baixo (29,4%), outras cidades próximas na Serra Gaúcha estão no “top 5 nacional” dos maiores percentuais de idosos dentro de sua população. São elas: Santa Tereza (27,1%), Relvado (26%), Colinas (25,4%) e Coronel Pilar (25,1%).

Vizinhos ficam com a fama

  • Rodrigo Bozzi/UOL

    Coqueiro Baixo foi até o ano de 2000 parte do município de Nova Bréscia, que ficou com a fama de “terra dos churrasqueiros”, mas a grande leva de migrantes partiu do território que hoje é parte da nova cidade. Em 1989, a praça central de Nova Bréscia ganhou um monumento ao churrasqueiro, cuja estátua ostenta um espeto de costela em uma mão e um faca na outra.

    Na base, há a seguinte inscrição: “A ti churrasqueiro que representas tão bem a comunidade bresciense em todos os recantos do país, nosso reconhecimento e gratidão” . Em Coqueiro Baixo, há um projeto de fazer um busto para Albino Ongaratto, o criador do sistema de rodízio de carnes. Em 2001, a cidade contou com seu primeiro governo, após a emancipação ser sido aprovada em 1996.

  • Arte UOL

Cidade: Coqueiro Baixo
Estado Rio Grande do Sul
Distância da capital: 161 km
População: 1.528  (2010)
PIB per capita : R$ 10.208,10 (2009)
Área(em km²):  112,277
Número de eleitores: 1.419 (2012)
Data de fundação: 16 abril de 1996

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