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Papo Preto #10: Saber que seria pai mudou minha visão de mundo

11/11/2020 04h00

A transição para a paternidade traz desafios. E, para homens negros, eles são ainda maiores, como a necessidade de debater negritude e racismo, além de superar o estigma de violento e perigoso ou mesmo infantilizado, como retratam os filmes norte-americanos. Mas, afinal, como esses homens lidam com seus filhos, e como podem desenvolver diálogos que criem adultos mais conscientes? Essas são algumas questões que o psicólogo Everton Mendes, que estuda questões raciais e masculinidades, responde a Yago Rodrigues e Juca Guimarães, ambos pais e da equipe do Alma Preta, neste 10º episódio do Papo Preto.

"Quando se fala em paternidade, para quem vem de comunidades como eu e como a maioria dos jovens pretos da minha idade, a gente sabe que não existe um histórico muito legal", diz Yago (a partir de 2:07 do arquivo acima). "Eu sou exemplo disso. Meu pai saiu de casa eu tinha 4 ou 5 anos, tenho vagas lembranças dele. E a gente cresce com esse pensamento, de que a maioria dos pais abandonam. Não só nós, mas a sociedade".

Além de uma visão negativa da paternidade, essa realidade também impacta nas referências dos futuros pais. "É uma experiência que, muitas vezes, a gente não consegue ter uma referência anterior", explica Everton (a partir de 4:11 do arquivo acima). A notícia da paternidade, mesmo as planejadas, é um impacto que vem seguido de medo, angústia e ansiedade. "Mas o mais importante é que esse homem, no momento que ele se torna pai, ele consiga se conectar com outros homens e trocar experiências".

O psicólogo conta que sempre sonhou em ser pai, especialmente por nunca ter tido um. Mas isso não significa que, quando soube que teria um filho, aos 21 anos, não tenha sido impactado pela notícia. Sua primeira reação foi fazer um empréstimo no valor total do crédito que tinha no banco. "Foi um desespero absurdo, e eu fui recorrer ao financeiro. Que é muito de onde a gente falta, também, pensando numa perspectiva preta. A gente vem de um lugar de escassez, então meu pensamento era: eu vou conseguir prover", diz (a partir de 6:22 do arquivo acima).

Yago reconhece o sentimento. "Isso é muito empático, porque, quando a gente recebe a notícia, é isso que vem na mente: caramba, eu tenho que dar conta. E a gente pensa em dar conta, mas financeiramente, também, como você falou. Porque é de onde a gente vem. De onde a gente vem é assim, a gente quer dar condições pros nossos filhos", afirma (a partir de 6:22 do arquivo acima).

Essa posição repentina, para Juca, é causa de um amadurecimento muito rápido. "Começa a cair a ficha de que a gente depende agora de produzir o sustento de outras pessoas, de cuidar de outras as pessoas", diz (a partir de 4:41 do arquivo acima). "Acho que essa responsabilidade que vem com a paternidade é muito impactante. Para mim mudou muito a questão de ver o mundo, a questão da segurança com o mundo, do bem-estar das pessoas. Melhorou bastante porque eu soube que ia ser pai, isso é muito transformador".

Papo Preto é um podcast produzido pelo Alma Preta, uma agência de jornalismo com temáticas sociais, em parceria com o UOL Plural, um projeto colaborativo entre o UOL e coletivos independentes. Novos episódios vão ao ar todas as quartas-feiras.

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