Sônia Guajajara: 'Indígenas são parte da solução para mudança climática'

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A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, se prepara para o que pode ser a maior presença indígena em uma conferência internacional do clima. A expectativa é de mil indígenas credenciados nas zonas de negociações na COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) em Belém.
Até hoje, as estimativas da imprensa internacional colocaram a COP27 (no Egito) e a COP28 (nos Emirados Árabes) como as que tiveram maior número de delegados indígenas, com cerca de 300.
"Nos apresentamos como parte dessa solução", disse. Em entrevista a Ecoa, Sônia Guajajara falou das expectativas para a COP30, fez um balanço da atuação do ministério e expressou os desejos políticos futuros. Veja a seguir a entrevista:
A senhora ocupou o cargo de "primeira" em muitas situações: primeira indígena candidata a vice-presidente do Brasil, agora é a primeira ministra indígena do Brasil. O que isso significa?
É um sentimento bom, de ocupar espaços como indígena, mas o mais forte é de atraso. Só agora conseguimos ocupar esses lugares. Sinto como um "abrir caminhos" para consolidar a presença indígena nos espaços políticos. Podemos enxergar também como uma reparação da marginalidade dos povos indígenas dentro do sistema democrático.
Quando a senhora ocupou o cargo de ministra, havia um grande desafio: a crise dos yanomamis. Como foi e o que tem sido feito para que a história não se repita?

Não tinha noção do tamanho daquela crise e imediatamente atuamos. Aparentemente, era uma situação de desnutrição. Mas logo entendemos que as causas da desnutrição e das doenças não eram somente uma questão de saúde isolada, mas o garimpo ilegal.
Além de gerar insegurança na produção de alimentos, tinha uma ocupação de 20 mil garimpeiros que contaminavam os rios e desmatavam. Tudo isso provocava a desnutrição e o impedimento da equipe de saúde para atendê-los.
Continuamos a trabalhar —tanto para tirar o garimpeiro ilegal como evitar o retorno. Hoje, o quadro de profissionais mudou —antes, eram 690 e hoje já são mais de 2.000 no território. Além da instalação de bases de fiscalização da Funai e do Ibama, que permanecem lá.
Sabemos que os invasores, sejam os madeireiros ou os garimpeiros, brotam nas terras indígenas. Então, se descuidarmos, eles podem voltar e não queremos que isso aconteça.
Este ano temos a COP30 no Brasil. O país quer levar a maior participação indígena da história. Como está essa articulação?

Desde que se decidiu que a COP seria no Brasil, entendemos que era importante ter uma boa participação indígena e que isso era possível, considerando que é na Amazônia. Precisávamos chegar não só em quantidade, mas em qualidade.
Essa presença muda inclusive o conceito das soluções para as mudanças climáticas, porque sempre se busca nas novas tecnologias, em recursos financeiros altíssimos. E, com a participação indígena, nos apresentamos como parte dessa solução.
Esperamos pelo menos 3.000 indígenas em Belém —360 indígenas estão credenciados já no sistema ONU do Brasil. De outras partes, teremos pelo menos mil indígenas credenciados na zona azul [onde ocorrem as negociações oficiais]. Já é a maior participação indígena da história das COPs.

Fizemos formação e mobilização pelo Brasil falando sobre a COP.
Estou presidindo esse movimento, que converge com os povos indígenas, comunidade tradicional, afrodescendentes e agricultura familiar. Teremos nosso espaço na zona verde [espaço da sociedade civil] como um lugar também de debate.
Também estamos atuando diretamente nos temas da floresta em pé e da demarcação indígena. Queremos incluir temas da agenda indígena no debate oficial.
Como expectativa, temos o TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), um mecanismo que estamos construindo conjuntamente com os ministérios do Meio Ambiente, da Fazenda e da Relação Exterior. Temos boas expectativas de que outros países vão aportar [recursos para o fundo].
O diferencial do fundo é que 20% de todo o recurso arrecadado vai direto para povos indígenas por meio de suas organizações ou fundos já criados. É a forma que encontramos de garantir o acesso direto dos indígenas aos fundos climáticos.
Os temas prioritários seriam o da floresta em pé e da demarcação ou há mais questões?
Estamos com uma proposta que trata da importância da demarcação de terras indígenas como política climática. Queremos transformar a ação de desintrusão [retirada de atividades ilegais de terras indígenas] como parte da política climática porque as áreas que foram desintrusadas contribuíram significativamente para a redução do índice de desmatamento na Amazônia.
Após a COP30, a senhora continua no MPI (Ministério dos Povos Indígenas)?
Com certeza. Não tenho pretensão nenhuma de sair logo em seguida. Afinal, termina a COP30 e começam os trabalhos de implementar as ações e tudo o que pautamos.
Certamente, vou me candidatar novamente em São Paulo [para deputada federal], mas vou sair no período em que é obrigatória a descompatibilização.
À Agência Brasil, a senhora mencionou que o MPI fez em dois anos mais pelos povos indígenas do que o governo em dez. Mas temos visto algumas contradições do governo nesse sentido, como a questão da exploração de petróleo na Foz do Amazonas [a autorização foi dada pelo Ibama em outubro]. Quais as principais conquistas do MPI e os principais entraves para pautar a agenda indígena no governo?

São desafios gigantes. Ter o MPI é uma oportunidade de pautar os temas prioritários de povos indígenas, como demarcação dos territórios ou a universidade indígena —nós estamos em vias de criá-la ainda este ano para garantir mais acesso de indígenas ao ensino superior e dentro do governo federal.
Na transição do governo, tínhamos a previsão de homologar 14 territórios indígenas. Desses, ficou um pendente um, o Xukuru-Karirilá (AL), que seguimos trabalhando para sair. Ao todo, já são 16 territórios homologados e estamos preparando um pacote para este ano.
Lógico que há temas bem complexos e que vêm desde antes. Chegamos aqui e esses projetos já estão andando, como a exploração na Foz do Amazonas, e tantos outros.
O que encontramos no meio do caminho não depende da posição do MPI para andar. A nós, cabe orientar sobre a necessidade de diálogos com os povos indígenas. Sempre apresentamos nossa posição para deixar registrado nosso ponto de vista em relação a esses empreendimentos.
Há anos vemos ameaças às terras indígenas. O que falta na política brasileira para frear esse cenário mais incisivamente?
Mais compreensão dos Três Poderes sobre os povos indígenas. Nossa maior prioridade é a demarcação dos territórios: povos indígenas sem território é sinônimo de insegurança e de violência.
Ainda há um passivo muito grande, sobretudo nas regiões Centro-Oeste, Sul e Nordeste. Há sobreposição de empreendimentos, especulação imobiliária, que invadiu territórios com fazendas ou mineração. Muitos desses ocupantes têm título de terra dado pelo Estado na época da ditadura militar. Fazemos um trabalho de identificar se são válidos para avançarmos com esses processos.
Um impeditivo grande é o Marco Temporal, que impede o avanço do processo marcatório em muitas áreas. O Congresso Nacional quer impedir o avanço da marcação de terra indígena. Ele quer paralisar, na verdade. Tem muitos processos judicializados em tribunais estaduais e federais que precisariam ser destravados.
Todo este trabalho para destravar esses processos acaba motivando conflitos, que têm aumentado. Isso porque ninguém quer abrir mão: os indígenas não abrem mão da terra tradicional, e quem está ocupando também está brigando, considerando o título [de terra] que tem. Agora, aqueles que invadem estão invadindo de qualquer jeito, e precisam ser retirados.
Há interesses políticos e econômicos em jogo e a nossa força fica sempre menor.
Nos últimos anos, vimos muitos ministérios sendo criados e extintos. Independentemente de quem for eleito no ano que vem, o MPI deve ser uma pasta dos próximos governos?
Sim. Estamos trabalhando para consolidar esse ministério como um órgão permanente, não do governo federal, mas do Estado brasileiro. É parte de uma reparação histórica. Queremos cada vez mais ampliar esse ministério, ter mais atribuições e garantias orçamentárias [o MPI tem o quarto menor orçamento entre todas as pastas] para implementar as ações necessárias.
Não queremos que seja um ministério isolado. Ele tem de ser um ministério com orçamento suficiente, mas que também possa ter poder de articular com as pastas existentes que trabalham com as questões indígenas. Aqui, temos a atribuição de promover e defender os direitos dos povos indígenas dentro dos territórios —algo mais político e de articulação do que da implementação direta.
O que gostaria de deixar como legado?
O respeito e a valorização da identidade dos povos indígenas. Ainda falta muito isso no Brasil. O MPI já tem um reconhecimento muito grande no campo internacional, mas precisamos avançar com esse reconhecimento dentro do Brasil.



























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