Empresas conectam negócios à reciclagem e fortalecem economia circular

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O Brasil ainda recicla pouco dos resíduos que produz. Segundo os dados mais recentes divulgados pela Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), em 2023, 6,7 milhões de toneladas de materiais secos foram reciclados no país, o equivalente a 8,3% dos resíduos sólidos urbanos gerados.
Mesmo baixo, o número ainda é otimista: não há um consenso sobre o total de lixo reciclado no país e algumas entidades falam em apenas 2%.
Algumas iniciativas, porém, têm buscado mudar esse cenário. Cada vez mais as organizações têm compreendido que o lixo também é uma oportunidade de negócio, inclusão social e transformação urbana. Esse movimento vem estimulando e fortalecendo soluções voltadas à logística reversa e à economia circular.
Resíduos valorizados
Pioneira em logística reversa, a Green Mining, inaugurou, em 2021, o projeto Estação Preço de Fábrica, em que qualquer pessoa pode levar resíduos recicláveis limpos até os pontos de entrega e, em troca, receber o pagamento diretamente da recicladora.
No mercado comum, os catadores costumam vender os recicláveis para sucateiros ou atravessadores, que compram por um valor baixo e, depois, revendem o material várias vezes até chegar à recicladora.
Nesse processo, os catadores ficam com apenas cerca de 20% do valor real do material. Para se ter uma ideia de números, os catadores recebem em torno de R$ 0,06 por kg de vidro — na Estação Preço de Fábrica o valor pago chega a R$ 0,65 por kg de vidro transparente e âmbar.
"Itens de baixo valor de mercado, como vidro e caixas longa vida, passam a ser economicamente viáveis, aumentando o volume coletado. Materiais como papel e PET são melhor remunerados, gerando uma renda até cinco vezes maior para os catadores", afirma Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining e vice-presidente da Abelore (Associação Brasileira de Logística Reversa e Resíduos).
Até julho de 2025 mais de R$ 5,4 milhões já foram repassados diretamente à população, sendo 80% destinados a catadores informais, responsáveis pela recuperação de mais de 5,6 mil toneladas de recicláveis em São Paulo, Bahia, Tocantins e Minas Gerais, onde a Green Mining possui unidades da Estação Preço de Fábrica.
As entregas são registradas por meio do aplicativo da empresa com etapas que incluem pesagem digital, classificação por tipo de material e registro fotográfico. O pagamento é realizado todas as sextas via pix, se o saldo for superior a R$ 10. Por segurança, as unidades do projeto não mantêm dinheiro em caixa.
Entre os benefícios da iniciativa, estão o pagamento mais justo a quem coleta e a exclusão de práticas de trabalho infantil — segundo o UNICEF, mais de 50 mil crianças atuam na catação, e mais de 1 milhão de catadores sobrevivem com menos de meio salário mínimo.
Outras vantagens incluem rastreabilidade auditável e confiável para as empresas, o que contribui para a comprovação de suas metas de logística reversa (regulatórias e voluntárias).
Do ponto de vista ambiental, cada tonelada reciclada evita a extração de matéria-prima virgem e as emissões associadas.
"O maior diferencial da Green Mining é colocar as pessoas no centro da solução", diz Rodrigo Oliveira. "Temos o relato de um catador autônomo cuja renda obtida nas entregas permitiu que ele trocasse a carroça por um carro, melhorando sua qualidade de vida. Acreditamos que ao cuidar das pessoas, elas passam a cuidar do meio ambiente", conta o CEO.
Em 2024, a Green Mining ultrapassou R$ 8 milhões de faturamento.
Desafio da margarina
Fundada em 2015, a Eureciclo possui uma metodologia de compensação ambiental baseada em créditos de reciclagem, que conecta indústrias às organizações de catadores.
Na prática, funciona assim: se uma marca coloca 1 milhão de potes de plástico no mercado, a Eureciclo garante que o equivalente em plástico será coletado e reciclado em algum ponto da cadeia.
"Esse modelo é possível graças à parceria com mais de 500 centrais de triagem em todo o país", explica Rodrigo Palos, diretor comercial e de marketing da Eureciclo.
Em dez anos de atuação e com o apoio de mais de 7 mil clientes, a Eureciclo já destinou corretamente mais de 1,5 milhão de toneladas de resíduos e impactou direta e indiretamente mais de 16 mil famílias que vivem da cadeia de reciclagem, distribuindo mais de R$ 92 milhões para cooperativas e centrais de triagem colaboradoras.
Um dos cases de sucesso é a parceria com a marca de margarina Qualy. O desafio era reciclar o pote de plástico PP, considerado complexo e de baixa remuneração na cadeia. Para isso, a Eureciclo mobilizou 60 centrais de triagem, capacitou gestores, garantiu a compra do plástico PP por recicladores, investiu no crédito específico desse material para incentivar a cadeia como um todo.
Com isso, a Qualy se tornou a primeira marca de margarinas a compensar 100% de suas embalagens, reinserindo mais de 26,5 mil toneladas de plástico -- o equivalente a 1,3 bilhão de potes -- no ciclo produtivo.
Para Rodrigo Palos, esse exemplo demonstra a importância de as empresas entenderem que a logística reversa vai muito além de cumprir uma obrigação legal.
"Trata-se de um investimento que gera impacto econômico e socioambiental com benefícios mensuráveis para a cadeia de reciclagem e para a sociedade", comenta.
Unir governo, catadores e empresa
O Instituto Recicleiros é uma organização sem fins lucrativos que nasceu com a missão de enfrentar os desafios do lixo e da desigualdade social dentro da perspectiva socioambiental no Brasil.
Ao atuar como um agente integrador entre governo, catadores/sociedade e empresas, o Recicleiros trabalha em várias frentes abrindo espaços nos ambientes públicos e privados.
Entre elas, está o Programa Recicleiros Cidades, que promove a reciclagem inclusiva e sustentável nos municípios, conectando todos os envolvidos no processo para garantir que ela seja eficiente, de alto impacto e economicamente viável.
"O objetivo é oferecer às prefeituras conhecimento técnico, parcerias e investimentos para ajudar a implementar do zero a coleta seletiva e reciclagem como uma política pública", explica Erich Burger, diretor institucional do Instituto Recicleiros.
Entre 2021 e 2025, mais de 800 gestores públicos das cinco regiões do Brasil já acessaram a trilha do conhecimento proposta por Recicleiros.
Atualmente, 15 municípios brasileiros participam do programa, o que resultou em mais de 22 mil toneladas de materiais reciclados desde o início do Programa Recicleiros Cidades, em 2019. Para 2026, estão previstas novas implantações em outros seis municípios.
Na avaliação de Burger, do ponto de vista econômico, os municípios reduzem despesas com aterros sanitários; e, do ponto de vista ambiental, a poluição diminui e há menor emissão de gases de efeito estufa.



























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