Reflorestar é a solução climática mais barata, diz economista Scheinkman
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Para o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, que tem se dedicado a estudar ideias econômicas para enfrentar a crise climática, o reflorestamento em grande escala é a solução climática mais barata do planeta. Pesquisador de renome internacional e professor das universidades americanas Columbia e Princeton, ele assumiu neste ano o papel de conselheiro econômico da presidência da COP30.
A convite do presidente André Corrêa do Lago, Scheinkman reuniu um comitê de trabalho com economistas destacados - como os vencedores do Nobel Lars Hansen e Esther Duflo e o diretor executivo da Climate Policy Initiative, Juliano Assunção - para pensar ideias inovadoras para enfrentar a crise climática. De Nova York, Scheinkman falou com Ecoa sobre as propostas elaboradas pelo grupo.
Ele aponta que a solução mais efetiva e barata para o planeta hoje está na Amazônia. Colaborador sênior do projeto Amazônia 2030, Scheinkman tem se dedicado nos últimos anos a pensar soluções econômicas para a questão climática, com especial atenção às florestas tropicais.
Há muitas ideias de tecnologias para capturar carbono, mas elas ainda não são efetivas, são muito caras ou não têm uma performance boa. A única tecnologia no mundo hoje que permite capturar carbono em escala é a restauração das florestas tropicais. E seu potencial nunca foi bem mensurado. Se olharmos os reports que vinham sendo feitos na COPs, quase não se menciona a floresta. As pessoas acham que a floresta é um sideshow, algo lateral, mas não é, ela é central. A floresta pode capturar carbono e criar espaço adicional na atmosfera, o que é essencial, e não há outra maneira factível de fazer isso hoje. Daqui a 40, 50 anos você pode ter outra tecnologia maravilhosa, mas agora precisamos acelerar isso.
São duas contas que a gente tem que fazer. A primeira é quanto vale preservar a floresta que está de pé. É muito importante fazer isso, seria um desastre ecológico inconcebível continuar com as taxas de desmatamento que tivemos nos últimos anos. Mas, no caso da Amazônia brasileira, há um número bem maior que é o quanto vale reflorestar. Isso pode restabelecer a capacidade da floresta de capturar carbono, o que também é muito importante do ponto de vista da estabilidade da floresta e da sua biodiversidade. Então não é só parar de desmatar, você tem que reflorestar. E o Brasil é o campeão do mundo em potencial econômico de reflorestamento. Nós temos 60% da maior floresta tropical do mundo e 20% dela foi desmatada. Parte dessa área desmatada foi abandonada e já está em processo de restauração natural, mas resta uma área é muito grande. E a ciência mostra que reflorestar em escala é mais barato, custa bem menos do que reflorestar em pedaços pequenos. Além disso, quando você trabalha em uma área cercada de floresta, tem muito mais produtividade do que em um pedaço isolado.
O economista afirma que empresas emissoras poderiam capturar três vezes mais carbono na Amazônia pelo mesmo preço pago hoje no mercado europeu. Segundo ele, o valor cobriria não apenas o restauro das florestas, como também a compensação por atividades existentes na região, como a pecuária.
Quando você avalia quanto custa o carbono na floresta amazônica, o que pesa mais não é o custo do restauro que, se feito em escala, é muito pequeno. O custo maior é compensar os fatores econômicos hoje envolvidos, principalmente, a pecuária, que responde pela maior parte da ocupação dos terrenos destruídos na floresta. E, de forma geral, é uma atividade economicamente medíocre, com baixa produtividade. Se a agricultura amazônica tivesse a mesma produtividade do Cerrado, das regiões mais produtivas do Brasil, o custo do carbono seria maior.
Nosso cálculo leva em consideração toda a dinâmica da floresta, estimando o valor das atividades econômicas que existem hoje e remunerando os trabalhadores que estão lá. Para ter uma ideia, um hectare na Amazônia deve ter umas 500 toneladas de carbono. Se você considerar apenas US$ 30 dólares por tonelada, já seriam US$ 15 mil dólares por essas 500 toneladas. Tente encontrar hoje um hectare na Amazônia vendido a esse valor? Isso pode ser um salto no PIB da região e ainda trazer um benefício enorme para o mundo inteiro. Mas para isso você precisa criar um mercado para esse carbono. Não é questão de financiamento, de fazer contratos de investimento, nada disso. É estabelecer um mercado como o que você tem para comprar e vender ações, ou para comprar e vender soja.
Ele defende a criação de uma coalizão de países para comercialização de carbono, proposta que foi elaborada pelo seu grupo e será apresentada pelo Brasil na COP30.
Hoje não há um mercado de carbono funcionando de forma adequada. Você vê isso pelo preço baixo e pela falta de confiança das pessoas. Por isso, uma das nossas propostas é o estabelecimento de verdadeiros mercados de carbono, com um sistema com normas para que se possa pagar pela captura de carbono nas florestas tropicais. A teoria econômica conhece muito sobre a formação de mercados, existe um campo chamado de desenho de mecanismos, que pensa como organizar os incentivos para chegar à solução que se deseja. Essa teoria modificou até o sistema de transplantes no mundo, que é resultado do desenho de um economista, o Alvin Roth, baseado nessa literatura. Então não é uma coisa maluca, já teve resultados práticos. E a gente precisa fazer isso para o mercado de carbono.
Quem desenvolveu esse trabalho foi a colega Catherine Wolfram, do MIT, com grande envolvimento da presidência da COP e do Ministério da Fazenda. Idealmente, teríamos um mercado único no mundo inteiro, mas dada a atitude dos Estados Unidos, da Rússia, de alguns países árabes, não se espera que isso vá acontecer. A proposta define as bases para a formação de uma coalizão de países que vão se juntar de forma voluntária e estabelecer regras comuns para comercialização do carbono. Essas regras devem atender não só aos países mais ricos, mas também aos países em desenvolvimento. São simulações que ajudam a entender qual regra atrai mais os países da África, por exemplo, qual regra aumenta as chances de trazer a China ou qual seria mais vantajosa para os asiáticos menos desenvolvidos. São dois tipos diferentes de regras que buscam chegar a uma coalizão grande o suficiente, reunindo algumas dezenas de países e cobrindo parte importante das emissões. Isso é algo completamente novo, uma oportunidade enorme para o Brasil liderar uma coalizão reunindo a União Europeia, outros europeus como Suíça e Noruega, o Canadá, diversos países da Ásia e da África.
Scheinkman critica as estratégias que guiaram as negociações nas COPs até aqui, como as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) e a visão de que os recursos devem fluir automaticamente dos países ricos para os mais pobres.
Na história das COPs, pelo menos nos últimos dez anos, as sugestões econômicas até agora foram todas centradas em duas premissas. A primeira é como ajudar os países a definir e satisfazer suas NDCs. Essa tem sido uma das vacas sagradas da COP, e mesmo assim elas não estão sendo cumpridas, em parte porque não há nenhum mecanismo de penalização. E mesmo que as NDCs fossem plenamente satisfeitas, a ciência mostra que isso resultaria em um aumento de 2,7ºC da temperatura acima do período pré-industrial. É um desastre total. Temos que admitir que essa meta, mesmo que fosse atingida, não é adequada.
A segunda premissa é que, de alguma maneira, você vai fazer o dinheiro fluir dos países mais ricos para os mais pobres através de uma mágica financeira. Olho pra isso e penso: como é que esse negócio vai funcionar? Como é que isso vai chegar no resultado almejado? Não tem mágica financeira. Então, reunimos o comitê e decidimos que a gente precisava de soluções novas, realmente novas.
Ele comenta outras duas propostas do grupo que serão apresentadas para avaliação da presidência da COP30, voltadas para adaptação e justiça climática.
A Esther Duflo tem um projeto que também está pronto sobre os danos às populações dos países mais pobres causados por emissões vindas essencialmente de países ricos. Você tem alguns países emergentes também emitindo muito, mas, em termos de estoque, a parcela de emissões dos emergentes ainda é pequena em relação à dos ricos, talvez a China seja a única exceção. O dano à saúde que esses países estão causando é enorme, os números são assustadores. A proposta é, evidentemente, estabelecer uma compensação para os países pobres mais afetados, na África, nas Américas, no Caribe, e ela traz algumas ideias de como fazer isso. De um lado, você teria uma espécie de Bolsa Família em que o gatilho para pagamento é a temperatura chegar a um certo nível em um certo país. Outra ideia é criar um fundo para ajudar as comunidades a se protegerem das intempéries causadas pelo aquecimento global, como enchentes, secas. São instrumentos de política pública, alguns permanentes, outros dependendo da situação do clima, e ela calcula quanto custaria para financiar esses programas. Hoje a tecnologia para fazer isso de forma segura é simples, pois já temos a estrutura e a experiência de programas implementados em países como México, Colômbia e Brasil.
Outra boa ideia que o Harrison Hong, meu colega na Columbia, está desenvolvendo é sobre o impacto econômico das remessas de dinheiro de imigrantes. Sabemos que a imigração, principalmente a mais recente, joga um papel muito importante em aliviar crises econômicas nos países mais pobres. Tem países que, em certos anos, recebem até 6% do seu PIB em recursos que os imigrantes enviam a parentes e amigos. Agora o Trump propôs na Big Beautiful Bill, e o Congresso americano aprovou, estabelecer um imposto sobre as remessas de imigrantes, e a Arábia Saudita está anunciando que vai fazer algo parecido. Isso é muito ruim, um escândalo na verdade, e eu propus ao André [Corrêa do Lago] que o COP tome uma atitude sobre isso. Estamos mensurando o impacto dessas remessas, e a ideia é criar uma espécie de Debt for Adaptation Agreement (acordo de financiamento para adaptação) para apoiar esses países, principalmente em casos de situação climática extrema.
O economista explica como a ciência econômica pode ir além da teoria e ajudar na implementação das propostas, e defende que o problema exige soluções em escala.
Quando se fala em ciência econômica, o aspecto teórico é muito importante, mas nesse grupo há economistas com uma grande capacidade de mensurar o impacto de medidas. O Lars Hansen, por exemplo, é um grande teórico, mas ganhou o Prêmio Nobel justamente pela criação de métodos empíricos que são usados no mundo inteiro. O Juliano também é um super economista empírico, dos que mais entendem do assunto, e desenvolve esse tipo de método para tratar das questões da floresta. Sempre achei o aspecto prático muito importante. Fiz minha reputação inicial na teoria, mas desde jovem busco entender o que posso fazer com isso. Sei que alguns economistas não têm muita paciência para o trabalho empírico, dizem que não é coisa de acadêmico, mas é a única maneira de as ideias se tornarem realidade. É uma vantagem que temos nesse grupo, uma capacidade muito grande de não só propor coisas teóricas, mas de estimar os impactos. São ideias concretas, mensuradas, com visão de potencial.
Outro aspecto que consideramos muito é a escala. As soluções que estamos propondo vão ser todas em escala. Para o tamanho do problema que temos, precisamos disso. E com escala você dilui o custo. Se você pega o mercado de soja, por exemplo, evidentemente tem que ter uma burocracia que verifica a qualidade do produto, que diz onde a soja tem que ser entregue, mas isso é um custo mínimo em relação ao volume que se negocia ali. Agora imagina você ter um programa para cada negociação, ter que resolver cada problema separadamente? Te dou outro exemplo. Na época em que Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente, no primeiro governo Lula, o Brasil conseguiu diminuir a quantidade de floresta desmatada substancialmente usando os satélites que já tinham sido encomendados no governo Fernando Henrique Cardoso. Agora, imagine que, para proteger a floresta, você tenha que mandar agentes do Ibama para cada hectare da Amazônia. Não tem dinheiro que chegue. Esse programa evitou a emissão de 1 gigatoneladas de carbono por ano, na média, a um valor de menos de US$ 1 por tonelada de carbono. É um número muito baixo. Isso mostra que, se feita em escala e da maneira correta, tem muita solução boa.
Morando há 50 anos nos EUA, Scheinkman lamenta os ataques à ciência e às instituições acadêmicas no país e compara o atual cenário à decadência das universidades alemãs no século 20. Para ele, as políticas do governo Trump terão um grande custo econômico para o país.
Estou muito triste. Sou membro da Academia Nacional de Ciências [dos EUA], que é presumivelmente a mais importante do mundo, já fizemos alguns manifestos contra o que está acontecendo. Acho que é um custo econômico enorme para os Estados Unidos. Muitos anos atrás, fui dar uma palestra na Universidade de Humboldt, na Alemanha, e entrei numa sala que tinha a lista dos prêmios Nobel da Humboldt, que era talvez a universidade mais importante do mundo. A lista dos prêmios vai até meados dos anos 1930. Hoje a Humboldt é uma boa universidade, mas não está no topo, não compete com as melhores universidades inglesas, americanas, chinesas ou japonesas. Está em outro grupo muito bom também, mas você vê como destruir é muito mais fácil. A estrutura de ciência americana é toda copiada da Alemanha, que demorou muitos anos para construir isso. Quando [as universidades de] Chicago, Johns Hopkins, as primeiras universidades americanas foram fundadas, copiaram o modelo alemão de universidade de pesquisa, que era o único que existia. Hoje elas estão no topo, mas há uma situação muito ruim e isso pode ir embora rápido.



























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