Patrimônio da música paraense, Nilson Chaves transforma Amazônia em música

"Cantar a Amazônia é cantar minha vida, meu habitat, meus costumes, meu sotaque, meu paladar, que é muito forte. É dizer para o mundo que aqui a gente ainda tem vida, ainda tem rio, ainda tem a floresta", afirma, em entrevista a Ecoa, o cantor, compositor e violonista paraense Nilson Chaves, um dos grandes nomes da música na região, com 55 anos de carreira. Recentemente, a Assembleia Legislativa do Pará declarou a sua obra Patrimônio Cultural e Imaterial do estado.

O artista, que morou 42 anos no Rio de Janeiro e gravou seu primeiro disco em 1981, lançou no primeiro semestre deste ano seis canções em homenagem à Amazônia. "Elas são oportunas para este momento, em que Belém vai sediar a COP 30", afirma.
Uma dessas canções, "História e Lenda" tem letra do poeta belenense Fernando Pessoa e é um carimbó pop que combina elementos históricos e narrativas tradicionais da região.

Completam os seis lançamentos "Sonha Amazônia", "Fauna e Flora", "Marajoara", "Amazonicamente", a levada brega "Pô Pô Pô", cuja letra é do próprio Nilson. Trata-se de uma homenagem aos ribeirinhos que transportavam o músico em seus popopôs - barcos de madeira cujo nome é uma onomatopeia do som do motor.

"Quando eu morava no Rio de Janeiro e vinha passar o fim de ano em Belém, para descansar, eu pegava os popopôs dos companheiros no Ver-o-Peso. O cara vinha de Gurupá (município do interior) trazer peixe ou algum outro produto, aí eu pagava e ele me levava. Às vezes, eu passava dois ou três dias, conversando, ouvindo as histórias, tomando banho de rio. Para mim, era uma coisa deliciosa", conta.

Vamos descendo
Ouvindo o som da mata
Silenciando o mundo
Aqui a paz acalma
Vamos de Pô Pô Pô

Letra de Pô Pô Pô

Para Nilson, a música tem um papel importante nas lutas ambientais, sociais e políticas. "Eu acho que a nossa missão é muito digna, é muito bonita, é muito forte, seja através do canto ou da literatura", afirma o artista, citando a canção "Matança", de Augusto Jatobá, gravada pelo baiano Xangai.

"Ele consegue mostrar a nossa fauna, as madeiras, as matas. Ele diz: 'Quem é vivo corre perigo, e os inimigos do verde, da sombra ao ar'. Olha só: da sombra o ar. Você correria o risco de não ter mais uma mangueira te protegendo do sol e você ali recebendo um ventinho ou a sombra de um açaizeiro, seja lá o que for? Então eu acho que a função do compositor tem que ser essa realmente, ele tem que estar atento", analisa.

O paraense lembra também da sua canção "Toca Tocantins", de 1984, em parceria com Jamil Damous. "Fizemos essa música contra a abertura da barragem de Tucuruí, no Pará, que provocaria um grande assassinato da nossa flora e fauna. Participamos de um grande movimento na Cinelândia, no Rio, ao lado de Vital Lima, Ney Matogrosso e Leila Pinheiro, entre outros", lembra.

Toca Tocantins
Tuas águas para o mar
Os meios não são os fins
Por que vão te matar?
Por que te transformar
Em águas assassinas
E nelas afogar a vida?

Letra de "Toca Tocantins"

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No final de agosto, ele se apresentou no show "Cantares Amazônicos", no Rio de Janeiro, que reuniu um artista de cada estado da região Norte. Além de Nilson, que assinou a curadoria, o roteiro e a direção do espetáculo, participaram Alberan Moraes (Acre), Bado (Rondônia), Célio Cruz (Amazonas), Dorivã (Tocantins), Eliakin Rufino (Roraima), Zé Miguel (Amapá) e Patrícia Bastos (Amapá). A ideia é apresentar o mesmo show durante a COP30.

"A gente criou um repertório que tivesse a ver com esse contexto de provocar a reflexão das pessoas", explica Nilson. "Foi muito lindo, com a sala lotada e todo mundo emocionado. Em seis momentos, cantamos os oito juntos no palco. E encerramos com uma música do Bado, chamada 'Um canto em favor das matas'".

Dentro da mata tem a lei do mato
Dentro da mata tem um rei
Quem fere a mata e a lei do mato
Ferirá o rei também

Letra de "Um canto em favor das matas"

Clássicos amazônicos
Em seus mais de 50 anos de carreira, Nilson Chaves compôs e gravou alguns dos principais clássicos da música paraense e amazônica. Um deles, "Sabor Açaí", com letra do poeta João Gomes, recebeu reconhecimento internacional. "Um crítico de Londres a incluiu em um livro com as 100 músicas mundiais que chamou de diamantes", conta o compositor.

E tua fruta vai rolando
Para os nossos alguidares
Tu te entregas ao sacrifício
Fruta santa, fruta mártir
Tens o dom de seres muito
Onde muitos não têm nada

Letra de "Sabor Açaí"

"Fizemos essa música em 1982. Eu morava no Rio, e o Joãozinho mandou por correio essa letra para mim, porque ele sabia que eu adorava açaí. Foi um negócio muito louco, porque a carta chegou, eu abri o envelope, botei a letra em cima da cama, sentei com o violão na cama, e a música saiu. Eu não pensei duas vezes. Eu fui cantando e foi saindo", lembra.

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Outros sucessos de Nilson incluem "Olho de Boto", "Olhando Belém", "Não Vou Sair" e "Amazônia". A letra desta última, gravada por Fafá de Belém em 2002, no álbum "O Canto das Águas", traz a Amazônia como eu-lírico, se autodescrevendo:

Tenho a força do muiraquitã
Sou pipira das manhãs
Sou o boto, igarapé
Sou rio Negro e Tocantins

Letra de "Amazônia"

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