Caroço do açaí vira de utensílios domésticos a biocombustíveis

Além de ser consumido como alimento, de diversas formas, em todo o Brasil e no exterior, o açaí vem ganhando novos usos, que fortalecem a bioeconomia e ajudam a preservar o meio ambiente.

O caroço do fruto, que geralmente é descartado sem nenhuma utilidade, agora é usado para a fabricação de produtos sustentáveis em um projeto da Fecaf (Federação das Cooperativas da Agricultura Familiar do Estado do Pará) em parceria com a empresa SP Ecologia, e pode ser transformado em óleos, combustíveis, carvão e asfalto, segundo pesquisa desenvolvida pela UFPA (Universidade Federal do Pará), em parceria com outras instituições.

"Nós extraímos a fibra do caroço do açaí e enviamos para a empresa SP Ecologia, de São Paulo, que usa esse material para a confecção de produtos como copos, tigelas, canecas e colheres", diz, em entrevista a Ecoa, o presidente da Fecaf, César Marinho.

O gerente de desenvolvimento da SP Ecologia, Marcelo Dias, explica que "as fibras são misturadas com plástico". "Além de retirar o resíduo do meio ambiente, a gente diminui em 40% o uso do plástico. É um material muito sustentável", avalia. "A gente vai lançar a escova de dente de açaí, tanto a de viagem quanto a do dia a dia."

Produtos feitos com a fibra do caroço do açaí
Produtos feitos com a fibra do caroço do açaí Imagem: Divulgação

A SP Ecologia trabalha há 17 anos com foco na economia circular, fabricando brindes ecológicos para o mercado corporativo. "Há 8 anos, iniciamos a mistura do plástico com fibras naturais, inicialmente de coco e de madeira. Hoje usamos também arroz, bambu e, recentemente, fizemos testes com café e com cacau."

A fabricação de produtos à base da fibra do caroço do açaí é recente. A parceria com a Fecaf que começou no final do ano passado. "Mas eu tenho certeza de que é um negócio que vai crescer bastante e bem rápido, principalmente por causa da COP30, em Belém. A Fecaf vai apresentar nossos produtos durante o evento", completa Dias.

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Além dos produtos finais, a SP Ecologia também comercializa o que o gerente chama de "granulado", que é a mistura das fibras com o plástico. "As empresas podem injetar essa matéria-prima nos moldes delas para fazer os próprios produtos."

Do fruto à fibra

A coleta dos caroços, nos pontos de venda de açaí em Belém e na região metropolitana é feita por mulheres em situação de vulnerabilidade, que encontraram no projeto uma fonte de renda. O processo de extração da fibra é realizado por uma máquina desfibradora que foi desenvolvida pela Fecaf em parceria com a Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia) e a RM Biomassa.

"É uma máquina cilíndrica, como um liquidificador, com um processo de lixamento giratório, que vai extraindo as fibras", explica Marinho.

Nós fabricamos a desfibradora e distribuímos para as comunidades nos bairros. A demanda pelo equipamento é grande. Então estamos buscando novos parceiros para aumentar a produção. César Marinho, presidente da Fecaf

Além do benefício econômico e social, o projeto propõe uma solução para o problema ambiental do descarte irregular do caroço do açaí. "Os batedores [aqueles que processam e vendem o fruto] jogam esse resíduo, que é a semente depois de batida, no meio da rua. Se você andar por Belém, principalmente nas regiões periféricas, você vai encontrar muitos caroços de açaí espalhados por todos os lugares. É um produto orgânico, que fermenta, cria chorume. Os animais fazem as necessidades ali, e isso contamina o meio ambiente", explica Marinho.

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Pesquisa com o caroço do açaí no Projeto Sustenbio Energy, na UFPA
Pesquisa com o caroço do açaí no Projeto Sustenbio Energy, na UFPA Imagem: Keila Gibson/Divulgação

O professor Nélio Teixeira Machado, coordenador de um projeto de aproveitamento do caroço do açaí na UFPA, explica que 85% do produto do processamento do fruto é de resíduos. "Ou seja, se você processa 1.000 kg de açaí, você vai gerar 850 kg de resíduos."

Então, para ele, além de valorizar um produto sustentável, os projetos que usam o caroço do açaí contribuem "com a questão do descarte irregular, principalmente em Belém e na região metropolitana".

Combustíveis sustentáveis

Na UFPA, em Belém, o projeto Sustenbio Energy desenvolveu produtos, como biocombustíveis, biocarvão e bioasfalto, usando os caroços do açaí e de outro fruto amazônico, o tucumã.

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"Nós iniciamos a pesquisa em 2015, com a orientação da tese de doutorado do professor Douglas Alberto Rocha de Castro, da Universidade Federal do Amazonas, com foco na transformação e valorização de resíduos da cadeia do açaí para a produção de biocombustíveis líquidos, biocarvão e bioasfalto", explica, em entrevista a Ecoa, o professor Nélio Teixeira Machado, do Programa de Doutorado em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia da UFPA, um dos coordenadores do projeto.

As pesquisa e experimentos são desenvolvidos no Laboratório de Transformação e Valorização de Resíduos Agroindustriais: Nanocatalisadores, SAF (Sustainable Aviation Fuel) e Hidrogênio Verde, na UFPA, que foi inaugurado no último mês de dezembro. O financiamento do projeto é do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).

"Podemos, de forma lenta e gradual, substituir os combustíveis fósseis, nesse caso, o petróleo, por combustíveis líquidos produzidos a partir de biomassa residual", afirma Machado.

Nós podemos fabricar todos os produtos da cadeia petroquímica de uma maneira verde e renovável. Nélio Teixeira Machado, professor em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia

O potencial de uso do caroço do açaí no Pará é imenso. Segundo Machado, o estado é responsável por 98% da produção nacional do fruto, "que, no ano de 2023, foi de 1.750.000 toneladas".

Fibras do caroço do açaí do projeto da Fecaf
Fibras do caroço do açaí do projeto da Fecaf Imagem: Divulgação
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O professor ressalta que os produtos fabricados a partir do caroço do açaí também demonstraram muita qualidade para o seu uso. "O biogás tem alto poder calorífico, que pode ser utilizado, por exemplo, na geração de energia em turbinas. O bio-óleo é rico em hidrocarbonetos, que podem, após destilação, ser transformados em combustíveis verdes, na forma de gasolina, querosene, diesel leve e diesel pesado", explica.

Ele afirma ainda que há "um produto de fundo, que é o resíduo do resíduo, que nós chamamos de bioasfalto ligante". "Ele pode substituir o piche na produção de recap, que é o concreto asfáltico de petróleo."

O projeto é multidisciplinar, envolvendo diferentes faculdades, e multi-institucional, com participação, além da UFPA, da Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia), da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará), da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e do IME (Instituto Militar de Engenharia).

"Atualmente buscamos um investidor que possa apoiar essa empreitada acadêmico-científica de forma que nós possamos produzir um portfólio, mostrando as vantagens do processo de transformação termoquímica desses resíduos", finaliza Machado.

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