De Curitiba a Oslo: cidades mostram como resistir à mudança do clima

Quando chuvas acima da média caíram sobre a cidade de São Sebastião, no litoral de São Paulo, em março de 2023, documentos públicos mostraram a ausência de investimento prévio na prevenção de desastres naturais. Quase um ano depois, as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul também acenderam um alerta sobre a falta de infraestrutura de drenagem e permeabilidade que poderia ter ajudado os municípios a lidarem melhor com um volume intenso de chuvas.

Os dois casos ilustram a importância da adoção de ações que tornem as cidades mais resistentes, eficientes e inclusivas para enfrentar desafios do futuro, como eventos extremos. Esse é o pensamento por trás do conceito de cidades sustentáveis. Em alta atualmente, sobretudo devido aos problemas impostos pelas mudanças climáticas, o termo emergiu no cenário internacional na década de 1980 para conciliar desenvolvimento econômico, preservação ambiental e justiça social, explica o urbanista e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), André Prado.

Apesar de representar um objetivo a ser perseguido pelas gestões municipais (com incentivos dos governos estaduais e federal), uma série de práticas ilustra o conceito. As cidades sustentáveis, por exemplo, priorizam os transportes coletivos e não motorizados e a redução do uso de combustíveis fósseis para diminuir as emissões de gases poluentes.

O investimento em veículos elétricos (EVs, na sigla em inglês) é uma das demandas atuais para os centros urbanos, principalmente nas cidades europeias. O maior expoente deste movimento é a Noruega, país com a maior frota proporcional de EVs no mundo. No ano passado, o número de veículos elétricos superou o de veículos à base de petróleo no país, segundo dados da Federação Norueguesa de Estradas.

Para que a transição seja eficaz, é preciso adequar a infraestrutura urbana para abastecer esses veículos — e, portanto, de uma gestão que tenha a sustentabilidade como meta. De acordo com o anestesista Andreas Espinoza, morador de Oslo, "há muitos postos de recarga e estacionamentos com recarga" na capital norueguesa, o que facilita o uso diário dos carros elétricos. Segundo o anestesista, o que o motivou a comprar um carro desse tipo foi a união de preocupação ambiental e economia gerada por incentivos governamentais que diminuíram os impostos para EVs.

Essas cidades também são caracterizadas pela presença de parques e áreas verdes para capturar gases do efeito estufa, áreas alagáveis naturais para aumentar a capacidade de drenagem, hortas urbanas, sistemas de tratamento e gestão de esgoto e resíduos, coleta seletiva e reciclagem, e políticas de regularização do uso do solo, explica o geógrafo, cientista social e professor da PUC São Paulo, Gustavo de Souza.

Além de ambiental, o conceito de sustentabilidade é, ainda, fundamentalmente econômico e social, relembra Prado. Na prática, as cidades sustentáveis também incorporam economia circular e uso "racional" de recursos naturais, atraem e distribuem investimentos privados em infraestrutura, investem em habitações populares e no planejamento de uma melhor distribuição das áreas de comércio, serviços e residências pela cidade, apontam os especialistas.

No Brasil, um exemplo que une agricultura familiar, segurança alimentar e reciclagem está em Curitiba, uma das cidades mais sustentáveis do país, segundo um ranking desenvolvido pela plataforma Bright Cities.

Aberto a toda a população, o projeto Câmbio Verde oferece produtos de hortifruti de pequenos produtores da região metropolitana da capital paranaense em troca de materiais recicláveis. De acordo com a prefeitura, 4.500 famílias são atendidas por mês e o material reciclado pelo programa representa cerca de 10% a 15% do total reciclado em Curitiba.

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Tudo a 15 minutos: as tendências sustentáveis

Muitos países têm buscado iniciativas que reduzam os impactos ambientais sem comprometer o desenvolvimento econômico. O urbanista André Prado destaca quatro tendências que têm mostrado bons resultados.

Uma delas é o conceito de cidade de 15 minutos, também ressaltado por Souza. Desenvolvido por Carlos Moreno, urbanista e professor na Universidade Sorbonne de Paris, trata-se da descentralização da oferta de serviços, trabalho e educação nos centros urbanos. A ideia é que tudo esteja disponível a uma distância curta e acessível para todos os cidadãos, evitando grandes deslocamentos urbanos.

Outra delas é a mobilidade ativa, que consiste na priorização de caminhada ou ciclismo como meios de transporte dentro da cidade, em vez de transportes individuais. Para isso, a construção e manutenção de calçadas e ciclovias é fundamental.

Mais ligada à urgência climática, uma tendência que se originou na China e tem ganhado força é a das cidades-esponja, que visam mudar a cobertura urbana, hoje 90% impermeável, explica André Prado.

"Jardins e áreas verdes na cidade toda, bacias que absorvem a água na parte alta e pavimentação drenante no lugar de asfaltos são alguns dos exemplos que ajudam a infiltrar a água no solo e a retomar o curso natural que a água fazia antes da implantação da malha urbana", diz o urbanista.

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Por fim, o professor destaca os parques lineares que, em vez de mudarem o curso dos rios como era feito anteriormente, renaturalizam a margem dos córregos e criam parques ao longo delas. Um dos exemplos mais bem sucedidos é o parque Madrid Río, na capital espanhola, que distribui ciclovia, vegetação e área de recreação ao longo de 7,4 quilômetros do rio Manzanares, na região central da cidade.

Só na cidade de São Paulo, há pelo menos uma dezena de rios escondidos sob avenidas como a Nove de Julho e a Bandeirantes.

Desafios e lições para o Brasil

Em nosso país, há muitas questões a serem resolvidas e superadas para criar mais cidades sustentáveis.

"Ainda temos muitos desafios, da infraestrutura urbana deficiente à baixa governança de dados e às desigualdades regionais", diz Raquel Cardamone, CEO da Bright Cities.

"Por outro lado, há um movimento crescente de cidades se estruturando para mensurar indicadores e incorporar tecnologia e inovação em suas políticas públicas — principalmente entre os municípios de médio porte, que têm mostrado grande capacidade de resposta e transformação", completa.

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Especialista em sociologia urbana da Universidade de Varsóvia, Lukasz Drozda destaca também, como desafios, os "interesses conflitantes de várias partes interessadas envolvidas nos processos urbanos". Para o professor, o papel dos gestores públicos é essencial por meio de regulações e da definição de prioridades de investimentos que tenham metas sustentáveis.

De acordo com Drozda, o desenvolvimento urbano ainda é desigual mundialmente, com o norte avançando em promover mais qualidade de vida e o sul ainda lutando contra desigualdades sociais e econômicas, que deságuam numa maior exposição a riscos climáticos no ambiente das cidades.

Uma das possibilidades de implementar mudanças no país vem da participação popular e da sociedade civil organizada na definição de prioridades do poder público, segundo Souza. Para Prado, programas governamentais como de habitação social (Minha Casa, Minha Vida) e de serviços são bons instrumentos para colocar projetos em prática.

Após anos de dificuldade com energia elétrica, os moradores da comunidade do Bonete instalaram placas solares
Após anos de dificuldade com energia elétrica, os moradores da comunidade do Bonete instalaram placas solares Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Uma história do litoral sul de São Paulo deixa uma boa lição. Em Ilhabela, a comunidade do Bonete (com acesso reduzido por terra ao restante do município) ganhou ampla instalação de energia apenas em 2016, como parte do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica - Luz para Todos. O ganho sustentável, no entanto, está na energia solar, por meio de placas fotovoltaicas instaladas nos 180 imóveis da comunidade à época.

Antes da instalação, a comunidade era abastecida por uma pequena hidrelétrica que funcionava com água de rio e cachoeiras locais, e um gerador a diesel. Nascido no Bonete, o pescador Marcelo Bonete diz que a instalação melhorou a vida de toda a comunidade.

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"Antigamente, quando chovia bastante, a cachoeira enchia e as turbinas paravam porque os entulhos e a sujeira poderiam quebrá-las. Agora ficou muito melhor porque nós não temos mais queda de energia. Quando não tinham as placas, a gente tinha que desligar a geladeira, pegar gelo da cidade pra armazenar comida. E isso durava até 3 dias. E se o gerador queimasse, podia demorar até uma semana para que ele fosse consertado. Com as placas solares, a gente não tem mais essa preocupação", conta.

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